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A natureza poética de Sandra Moreira

Com muita segurança e sinceridade, Sandra Moreira celebra a vida, a natureza e a poesia

Sandra Moreira compondo a paisagem natural do Instituto Anísio Teixeira (IAT). Crédito: Raulino Júnior

Ela vive em pleno contato com a natureza e com a poesia. Tem um fascínio especial pelo mar e escreve por prazer. Natural de Santo André, município do estado de São Paulo, radicou-se em São Caetano do Sul (cidade paulista que integra o Grande ABC e que tem o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil) e há 21 anos mora em SalvadorSandra Rosa Moreira sempre teve o desejo de viver numa cidade praiana. “Lembro que, na infância, quando resolvíamos ir à praia, eu dormia de biquíni para não perder tempo”, recorda. E Salvador foi a escolhida. Desde pequena, a menina já falava que queria morar na cidade. O pai, Arnaldo Alcântara, que morreu um ano após a chegada de Sandra na capital baiana, não entendia a insistência da filha com tal ideia. “Ele indagava: ‘Quem é que fala de Salvador para você? Você nunca foi para Salvador! Você não conhece Salvador! De onde vem esse desejo de morar em Salvador?’”. Até que, em 1993, a vontade se concretizou. Sandra trabalhava no setor administrativo da Tintas Renner, pediu transferência para a unidade da empresa de Salvador e o pedido foi concedido. “Eu tinha uma vontade enorme de morar em Salvador, sem conhecer. Acho que a sonoridade da palavra ‘Salvador’, na minha inconsciência, salvaria alguma coisa”, filosofa. Daqui, gosta do clima e da alegria do baiano. Contudo, sente falta da lealdade nas relações interpessoais. “Eu acho que existe uma diferença muito grande com relação à amizade. Eu percebo que aqui é muito mais fácil você interagir, ao passo que em São Paulo existe a lealdade, que é uma coisa que eu sinto falta aqui. A aproximação aqui é muito mais por conveniência”.

Socióloga, atleta e blogueira

Sandra Moreira. “A educação sempre tem o seu lado positivo”. Crédito: Raulino Júnior

Sandra é formada em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e fez pós-graduação em Metodologia e Didática do Ensino Superior, pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia (FACCEBA). Está prestes a concluir a pós em Educação Linguística, prromovida pelo Instituto Anísio Teixeira (IAT), através do Núcleo de Aprendizagem e Aperfeiçoamento (NUAPE). Atualmente, dá aulas de Sociologia do Trabalho e Orientação Profissional e Cidadania em algumas unidades do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e atua na parte pedagógica do Gestar, projeto de formação continuada de professores da Secretaria da Educação do Estado da Bahia, no IAT. Otimista, acredita que a educação brasileira ainda tem jeito: “A educação sempre tem o seu lado positivo. Ela vai dar uma guinada para que as coisas melhorem bastante”.

A socióloga estudou quase a vida toda em colégios públicos. Teve uma única experiência numa escola particular, quando, ao vencer uma competição de atletismo, ganhou uma bolsa. Por sinal, corre até hoje, aos 50 anos. “Corro todos os dias, pela manhã. Exceto em períodos de chuva”. No seu histórico esportivo, há também passagem pela musculação. Mas, um dos exercícios que Sandra mais gosta de fazer é escrever.

Blogueira desde 2008, ela escreve poesias na página Escrever: terapia e prazer. O objetivo de fazer o blogue foi o de difundir os seus textos e ver qual seria a aceitação. “Hoje, eu percebo que divulgar o blogue não é tão simples assim. Acho bem complicado. Tanto é que, recentemente, me inscrevi no Recanto das Letras e os meus textos estão tendo um alcance bem maior”, afirma. Os textos poéticos de Sandra apresentam riqueza literária e lírica. Ela joga bem com as palavras e consegue prender a atenção do leitor.

O passeio pelo universo da literatura é um bom exemplo dentro de casa. A família, que se reduz à filha Victória Moreira, acompanha os passos da escritora. “Ela tem 16 anos e lê bastante todas essas sagas próprias da idade. Adora ler e escreve também. Tanto é que, no blogue, se eu não me engano, postei uns dois poemas dela”. O talento da filha já foi reconhecido. Victória participou do I Concurso Escritores Escolares de Poesia e Redação 2014, da Fundação Pedro Calmon, e ficou em terceiro lugar.

Arte para ler, ouvir e contemplar

Sandra Moreira, no IAT. Crédito: Raulino Júnior

Além de poesia, Sandra gosta de ler romances. Espíritas e policiais. “Na minha adolescência, eu li muito Agatha Christie. Gosto até hoje”, revela. Na poesia, admira a portuguesa Florbela Espanca e gosta de Clarice Lispector. “Eu acho que me identifico mais com Florbela, mas outas pessoas que leem os meus poemas falam: ‘Sandra, tem aqui Florbela e tem Clarice Lispector também’”.

Na música, Sandra não gosta de pagode nem de arrocha e gosta pouco de axé. O que agrada os seus ouvidos é MPB (Música Popular Brasileira) e músicas internacionais românticas. “Embora não entenda. A melodia me atrai muito”, confessa.

Mas, de todas as artes, aquela que faz o coração da paulista bater mais forte é a pintura. “Eu também não entendo muito, mas fico fascinada pela pintura. Vira e mexe eu estou no MAM (Museu de Arte Moderna da Bahia). Admiro muito também a escultura”. Entretanto, elege a natureza como a arte maior. “Sou fascinada pelo mar! Quando estou diante do mar, numa praia, é como se minhas células se desconectassem. Eu sinto algo, assim, meio estranho. Gosto muito da natureza, me sinto muito à vontade, sinto uma alegria interna imensa”.

Cobranças e futuro

Sandra é perfeccionista. Daquelas pessoas que se cobram demais. “Quando eu me olho por fora, acho que estou aquém. Nunca acho que é o suficiente e isso me angustia”. Para se exigir menos e se aceitar mais, faz terapia. Para ela, essa autocobrança tem relação com a sua infância. “Quando minha mãe [Vandete Rosa] morreu, eu tinha quatro anos de idade. A psicologia diz que a pior coisa é você perder a mãe na primeira infância, porque, nesse período, que vai do 0 a 7 anos, é extremamente essencial a presença materna. Embora eu tenha tido um ‘pai-mãe’. Um pai que tentou, da maneira dele, fazer os dois papéis”. Sandra confidencia que o pai era muito austero e cobrava demais dos filhos. Por isso, ela acha que a cobrança que se faz hoje é um resquício desse passado.

Sandra Moreira é poesia por natureza. Crédito: Raulino Júnior

O fato de não estar inserida, efetivamente, no mercado de trabalho, uma vez que trabalha de forma terceirizada, a angustia muito e contribui para a busca excessiva da perfeição. “Além de trabalhar aqui [IAT], escrever, dar aula no Senai, busco as minhas leituras à parte para participar de concursos. Por um lado, acho até bacana, porque isso é o próprio movimento da vida. Eu não estou estagnada, estou me movimentando”, reflete. E não está estagnada mesmo! Nos últimos dias, recebeu duas notícias que a deixaram feliz: foi selecionada para ser instrutora de As Voluntárias Sociais da Bahia, uma sociedade civil de direito privado e sem fins lucrativos; e, agora, também é monitora do Curso de Aperfeiçoamento em Tecnologias Educacionais, oferecido pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), na modalidade a distância.

Como lê bastante psicologia, recorre ao psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Jung, fundador da psicologia analítica, para ser resiliente. “Jung fala assim: ‘Puxa, é bacana que você se encontre no caos’”. Poético, não é? Sandra é poesia por natureza.

O que não é poético no Brasil…

A corrupção! A deslealdade! Não é nada poético! Porque isso desestrutura, foge completamente do que é andar corretamente. Poético é ter os valores clássicos, aqueles do lar, que você traz com a sua família e que se intensifica na educação, como a base pra qualquer ser humano. A gentileza, a cortesia, o respeito, a empatia. Isso, sim, para mim, é extremamente poético.

  • O que dizem sobre ela…

Albérico Barboza

Crédito: Arquivo pessoal

“Sandrinha é uma dessas pessoas que encontramos pelos caminhos da vida, deixando em nós a marca suave da sua imagem suave e positiva. Ela traz o espectro do que aprendi a chamar de “Homem magnético”, embora seja do sexo feminino. Sandrinha também traz consigo a dinâmica da mulher heroína, lutadora, altamente inteligente, responsável e portadora de um senso ético que me faz apaixonar-me por ela. Mulheres como Sandrinha nos leva a reflexões profundas e à conclusão de que as diversidades e adversidades do cotidiano em nossas vidas podem ser transformadas  no combustível necessário para que possamos nos individuar e conviver com as mesmas de forma proativa. Dotada de uma cultura apreendida a partir dos seus estudos particulares, nos deixa à vontade quando conversamos com ela, mesmo que por breve momentos. A forma como ela educa Victória é outro ponto forte nesta mulher que assumiu a maternagem de forma invejável para muitas mulheres, que tem suas dificuldades neste mister, apesar de contar com recursos que ela não conta”.

Cleidmar Ribeiro

“Sandra é uma pessoa muito especial, dinâmica, forte, guerreira, prestativa. Com muita Luz, mãe/pai, amiga, humana, justa, sem contar na delicadeza que ela trata todos a sua volta. Ela fica indignada com a falta de educação das pessoas em qualquer ambiente, se comove quanto às necessidades das pessoas menos favorecidas, acha revoltante a falta de caráter das pessoas, querendo sempre se doar e nunca deixando de ter esperança. Procura sempre ver o lado do outro, avaliando da melhor forma, procurando evoluir espiritualmente. Adora uma praia, gosta de correr, exercitar a mente e o corpo, boa música e ler bons livros”.

Série Perfis do Desde| Ficha Técnica:

Convidada: Sandra Moreira

Data da entrevista: 11/9/2014

Local: Instituto Anísio Teixeira (Salvador-BA)

Idealização/produção/texto: Raulino Júnior

Padrão
Artigo de Opinião, Opinião, Preconceito, Racismo, Televisão

sexo e as negas é um ATENTADO!


Pra começar, vou esclarecer: ao longo deste texto, vou utilizar o nome do seriado da Rede Globo sempre em minúsculas e sem destaque, como uma forma de demonstrar o meu tamanho desprezo por tal produção.

Anteontem, assisti pela primeira vez à propalada série daquele “autorzinho” que acha que está fazendo um bem para a humanidade engendrando uma teleficção descabida e cheia de propósitos! Fiz o meu papel como cidadão consciente e responsável: para não ser preconceituoso, assisti antes de julgar. Agora, é a hora do julgamento. sexo e as negas é um manifesto racista da Rede Globo! É uma forma de a emissora dizer: “Os negros são assim”. E, nesse “assim”, cabe tudo: estereótipos, desrespeitos, preconceitos. Uma série escrita por “estrangeiros”! Artur Xexéo é um dos colaboradores! Não precisa dizer mais nada, né? Enfim… É o olhar do outro sobre nós. E o pior: é como os outros querem nos ver! Para eles, somos limitados, desbocados, máquinas sexuais e defeituosos. No episódio de terça-feira, 23 de setembro, intitulado “O pente que te penteia”, a ideologia adotada pelos produtores da série foi a de que o cabelo do negro e da negra é um problema. Com personagens interpretados por atrizes negras reforçando isso! Tanto é que períodos como “Meu cabelo tá rebelde, cheio de vontade. Esta semana eu vou botar rédea no bicho [sic]”, “Cabelo é assim: ou a gente domina ele ou ele domina a gente”, “Nossa, o teu cabelo tá com cheiro de gordura! [da filha para a mãe]” eram constantes nas falas delas. Teve a história da menina negra cooptada, que mora na comunidade, e foi “fazer o cabelo” (essa foi a expressão usada!) na Zona Sul carioca (onde, de acordo com a fala de uma personagem branca, “só tem nega fina”). Teve a história da cabeleireira branca, do Sul do país, que ao ser indagada se tinha dado jeito no cabelo de umas das “protagonistas” negras, soltou: “O cabelo é ruim, mas eu sou pior do que ele. Eu sou bem pior!”. A sulista também falou: “Tô morta! Não consigo nem coar um café! O cabelo da Tilde [a “protagonista”] me deu uma surra! Já disse ao Vinagre: ‘Deus que me livre ter sobrinho com aquela carapinha!’”, “Foi graças à negra Verena que eu aprendi a lidar com cabelo ruim”.  sexo e as negas é um atentado! sexo e as negas tenta destruir toda a nossa luta! sexo e as negas é um absurdo!

Enquanto acompanhava o episódio, me senti envergonhado em várias ocasiões. O Brasil retrocedeu 500 anos com sexo e as negas. O país involuiu. A série é cheia de estereótipos! Tem o negro e a negra como objeto sexual. Tem a casa de patrões brancos que, na ausência da mulher, o marido aproveita para seduzir a empregada. Dessa vez, dando R$ 200 para ela “cuidar do cabelo”. Não precisa dizer que a empregada é negra, né? Estereótipos! Olha o que fazem com a gente! Aos negros que estão no elenco, de antemão, eu peço desculpas pelo que vou afirmar, mas vocês estão sendo usados. Tal qual um senhor abastado fazia com seus escravos numa colônia bem perto daqui… Aldri Anunciação (autor de Namíbia, Não!, uma sátira política, que considero um manifesto antirracista!), Karin Hils (aquela que foi do grupo Rouge e que tantas vezes falou de racismo na TV), Corina SabbasLilian ValeskaMaria BiaAdriana LessaRafael ZuluAline DiasRafael MachadoIzak DahoraBeltrano e Beltrana: vocês estão sendo usados! E eu sei que sabem disso. No presente, vão querer reconsiderar, mas no futuro… sexo e as negas é o novo Cinderela Baiana. Daqui a cinco, dez anos, quem participou vai se sentir desconfortável de falar que integrou o elenco da série.

Sinceramente, fui dormir com raiva após acompanhar esse triste episódio da história recente do Brasil. Mas o que esperar de uma TV que tenta vitimar racistas e que institucionaliza a “inveja branca” como aquela em que não há cobiça? sexo e as negas é uma série minúscula! sexo e as negas é desnecessária!

No rodapé da seção de “Créditos” do site oficial da série, a indicação de que a obra é de “livre criação artística e sem compromisso com a realidade”. Típico. Captura da tela: 25/9/2014.

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