2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

Para Paulo Freire, reduzir professora à condição de tia é uma armadilha ideológica

   Em livro publicado em 1993, educador traça caminhos para uma prática pedagógica crítica

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Dando continuidade à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, o Desde aborda hoje as ideias contidas no livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993. A série integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Na primeira postagem, falamos de uma das cartas presentes no livro, por considerá-la bem importante para o debate sobre educação. Agora, vamos fazer uma reflexão do livro como um todo.
A obra traz um Paulo Freire professor, no sentido mais amplo da palavra. A todo tempo, a impressão é a de que ele está conversando com a gente, pegando na mão, nos guiando. Logo no início, ele justifica o provocativo título: “Recusar a identificação da figura do professor com a da tia não significa, de modo algum, diminuir ou menosprezar a figura da tia, da mesma forma como aceitar a identificação não traduz nenhuma valoração à lei. Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental do professor: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente”, p. 9.
Freire critica a associação de professores e professoras com tios e tias. Para ele, isso  contribui para uma desvalorização profissional. “A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma ‘inocente’ armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais”, afirma na página 18.
Depois de uma longa introdução para debater o tema principal do livro, Paulo Freire apresenta aos leitores e às leitoras as dez cartas a quem ousa ensinar. Elas atuam como conselhos do mestre, mostrando o que deve e não deve ser feito na prática pedagógica. Em alguns trechos, reforça o que já tinha dito (“Quanto mais aceitamos ser tias e tios, tanto mais a sociedade estranha que façamos greve e exige que sejamos bem comportados”, p.33); em outros, dá lição de cidadania (“É preciso acompanharmos a atuação da pessoa em que votamos, não importa se para vereador, deputado estadual, federal, prefeito, senador, governador ou presidente; vigiar seus passos, gestos, decisões, declarações, votos, omissão, conivência com a desvergonha. Cobrar suas promessas, avaliá-los com rigor para neles de novo votar ou negar-lhes o nosso voto”, p. 34).
Numa das cartas, elenca as qualidades que, na opinião dele, todo professor deve ter para um melhor desempenho: humildade, amorosidade, coragem, tolerância, decisão, segurança, paciência, impaciência e alegria de viver. O livro tem frases daquelas que os educadores devem levar para a vida, como:
1) “A escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo”, p. 42.
2) “Não há vida nem humana existência sem briga e sem conflito”, p. 42.
3) “Sem intervenção democrática do educador ou da educadora, não há educação progressista”, p. 53.
4) “… é bom admitir que somos todos seres humanos, por isso, inacabados. Não somos perfeitos e infalíveis”, p. 55.
5) “…coerência não é conivência”, p. 72.
6) “Sem limites a vida social seria impossível”, p. 73
7) “O professor deve ensinar. […]. Só que ensinar não é transmitir conhecimento”, p.79.

E tantas outras. No final do livro, ele segue assertivo: “Que o saber tem tudo a ver com o crescer, tem. Mas é preciso, absolutamente preciso, que o saber de minorias dominantes não proíba, não asfixie, não castre o crescer das imensas maiorias dominadas”, p. 84. Professora sim, tia não é uma obra política e, como tal, necessária.

Referência:
 
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

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Caderneta da Criança orienta pai, mãe e outros responsáveis no cuidado de crianças com até 9 anos

  Documento traz noções fundamentais para quem está prestes a se responsabilizar pela criação de uma criança

Capas da Caderneta da Criança: especificação desnecessária com o uso de “Menina” e “Menino” . Foto: captura de tela

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos. Desde o início da gestação até o nascimento, ou  desde o processo de adoção, a rotina da família que vai receber a criança muda consideravelmente. Além da questão espacial (a organização da casa), muitas dúvidas surgem na cabeça de pais, mães e outros responsáveis: “Como deve ser a alimentação?”, “Quais vacinas a criança deve tomar assim que nasce?”, “Como contribuir para o desenvolvimento adequado da nova integrante da família?”. Essas e outras perguntas são respondidas na Caderneta da Criança – Passaporte da Cidadania, publicada pelo Ministério da Saúde, cuja última versão foi lançada em 2020.

A publicação é bem completa. Aborda dos direitos da criança ao acompanhamento odontológico. Fala sobre o procedimento para fazer o registro e sobre a matrícula obrigatória na pré-escola, a partir dos 4 anos de idade. Destaca a triagem neonatal (testes do pezinho, do olhinho, da orelhinha e do coraçãozinho) e o contato que os responsáveis devem ter com o bebê o tempo todo, importante para criar laços afetivos. Informa como adultos podem proteger a criança da violência e como perceber alterações na visão e na audição.

O leite materno é rei e isso é reforçado na caderneta. Ele tem todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento da criança. A orientação é de que, até o seis meses, seja a única fonte de alimentação dela. Após esse período, já pode introduzir frutas, cereais, tubérculos, legumes, verduras, grãos, carnes, ovos. As mães e os pais nunca devem oferecer leite artificial para o bebê. Caso aconteça de a mãe ficar sem produzir, a família deve recorrer a um Banco de Leite Humano. Quanto mais a criança mama, mais a mãe produz. Mamadeiras e chupetas devem ser descartadas do cotidiano infantil.

O livro toca em questões muito importantes. Principalmente, para quem é inexperiente. Na página 38, em que se discute a prática de estimular o desenvolvimento com afeto, o texto é categórico: “…amar não é permitir que seu filho faça tudo o que ele quer. A criança também precisa aprender a reconhecer o limite entre aquilo que ela pode e o que ela não pode fazer e entre uma situação em que ela está segura e outra na qual ela pode estar em perigo”. Outra parte bem interessante é a que trata sobre o uso de eletrônicos e consumo. A lição é: “Prefira estimular a inteligência do seu filho com as brincadeiras. As crianças estão cada vez mais expostas a celulares, programas de TV e a jogos que não desenvolvem as habilidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais, e além disso muitas vezes podem ter conteúdos violentos, eróticos ou outros, impróprios para sua idade”. p. 58. Ao nascer, a criança tem que tomar a BCG (para evitar formas graves de tuberculose) e a vacina contra a hepatite B. De dois meses a um ano, mais dezessete tipos, como a de poliomielite, meningocócica, febre amarela e sarampo.

Embora o documento se esforce para falar com todos os responsáveis pela criação de uma criança, o texto, implícita e explicitamente, dialoga muito mais com as mães. Na página 41, por exemplo, a gente lê: “No início parece muito difícil, mas procure ir criando uma rotina das mamadas, do banho, de brincar no tempo que ela está acordada. Isso facilita a regulação das funções fisiológicas do bebê”. Esse trecho foi tirado da caderneta com o especificador “Menina”. Pois é. O Ministério da Saúde publicou duas versões de um mesmo documento, com as especificações Menina e Menino. Um pouco desnecessário, uma vez que, atualmente, essas demarcações não fazem mais sentido algum. O texto é o mesmo, mudando apenas os substantivos (filho/filha) e pronomes (ele/ela). A diferença é na parte estética. A capa da Menina é lilás; a do Menino, verde. Os capítulos Alimentando para Garantir a Saúde Acompanhando o Crescimento, na Caderneta da Menina, aparecem na cor rosa; na do Menino, azul. Contudo, tais questões não comprometem a importância da publicação, que deve ser lida por todo mundo que pretende exercer uma criação responsável. E melhor: além de estar disponível na web, é distribuída gratuitamente.

Referência:

BRASIL. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caderneta da Criança – Passaporte da Cidadania. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_crianca_menina_2ed.pdf>. Acesso em: 12 de out. 2021.

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