13 anos de sorte!, Crônica, Cultura, Desde Já, Jornalismo Cultural

Para tudo, um remédio

Imagem: reprodução do site da Biblioteca Virtual em Saúde.

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

De acordo com uma pesquisa feita pelo Conselho Federal de Farmácia, em 2019, 77% dos brasileiros se automedicam. Um índice extenso e preocupante. Mas, falando a verdade verdadeira, não é nenhuma surpresa. Afinal, todos nós já fizemos ou fomos incentivados a fazer isso. A automedicação é uma coisa natural, arraigada na cultura brasileira. Quando você não faz isso, vira o estranho, uma vez que todo mundo está fazendo. O assunto é sério e é curioso como até as autoridades não estão muito preocupadas com isso. Haja vista que as autorizações de funcionamento de farmácias e drogarias explodem no país e os critérios para a compra não são tão rígidos assim. A gente encontra uma farmácia, literalmente, em cada esquina. Fácil de acessar. E não podemos esquecer que esses estabelecimentos vivem e querem ter lucro. “Tão natural quanto a luz do dia”.

No dia a dia, é comum alguém sempre ter uma solução para aquela dorzinha ou desconforto que a gente sente. “Toma tal remédio, menino, que isso passa”, “Não precisa ir ao médico, é só tomar o remédio ‘X’ que resolve”. É claro que a ida ao médico tem várias questões envolvidas, que, definitivamente, não é o objeto desta crônica, mas a prática da automedicação é e precisamos falar sobre ela. Tem gente que tem uma farmacinha em casa ou carrega vários remédios na bolsa ou na mochila. Quando qualquer sintoma incomum aparece, é só botar aquele remédio para dentro. Preocupante… A pesquisa já citada revelou que os remédios mais utilizados pelos brasileiros na automedicação são, nesta ordem, os antibióticos, os analgésicos, os antitérmicos e os relaxantes musculares. E olhe que há toda uma política para a prescrição e venda de antibióticos!

O ditado “De médico e louco todo mundo tem um pouco” ganha até um sentido literal nesse contexto. Atualmente, todo mundo se acha médico consultando o Google para saber o que pode tomar para melhorar os sintomas da doença X, Y, Z… É mais fácil e prático. E tem profissional de saúde avalizando isso. Certa vez, levei a minha filha num grande hospital de Salvador e a profissional que fez o atendimento recomendou que a gente pesquisasse no Google como fazer uma lavagem nasal. Deu um nó na nossa cabeça. Se ela, que é a profissional da área, não quis nos ensinar, pra quê ter hospital hoje em dia?! Foi só um parêntese revoltado. Voltemos. Também é considerada uma forma de automedicação quando os pacientes, por conta própria, mudam a dosagem dos remédios. Tomam a mais ou a menos. Quando eu disse que todo mundo se acha médico, não estava mentindo…

Nem tudo precisa de remédio, mas nós não estamos habituados a isso. A nossa cultura é a do remédio. Sendo assim, a automedicação ganha espaço, deita e rola. De fato, um assunto pouco discutido e que precisa de mais espaço na sociedade. Algumas notícias dão conta de que o SUS (Sistema Único de Saúde) pretende promover campanhas para combater esse comportamento nocivo e perigoso. Tomara que vingue.

Sigamos.

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Primeiro sitcom produzido na Bahia exalta a força da nordestinidade

Forrobodó da Paixão reúne elenco predominantemente nordestino e busca não perpetuar estereótipos sobre a região

Carlos Betão em cena de Forrobodó da Paixão. Foto: Wrias Meireles

Atores se maquiando, produção de arte organizando o cenário, técnicos passando pra lá e pra cá, teste de som, ajustes no microfone, orientações do diretor: todas essas ações  foram acompanhadas no último sábado, 16 de março, durante a espera para o início das gravações de mais um episódio da série Forrobodó da Paixão, no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador. Naquele dia, a equipe chegou às 6h20 e só sairia às 20h do teatro, porque teria ensaio e todos os ajustes para a próxima gravação. O sitcom (abreviação da expressão situation comedy, que pode ser traduzida como “comédia de situação”), dirigido por Fernando Guerreiro e produzido pela Têm Dendê Produções, conta, em oito episódios, “a história do Bar do Paixão, localizado em Caicó, no Rio Grande do Norte. Com a morte do dono do estabelecimento de forró tradicional, Legítima, uma jovem cozinheira, precisa se desdobrar para manter o local funcionando em meio a relações amorosas, problemas financeiros, herdeiros loucos e os constantes ataques de sua mãe, uma milionária disposta a qualquer coisa para derrubar o lugar”, como consta em texto divulgado no site da produtora. As gravações em Salvador começaram no dia 12 e se estenderão até 20 de março. Carlos Betão vive o protagonista, Paixão. Além dele, o elenco é formado por Mariana Costa (Legítima), Edmilson Barros (Paulista), Ana Mametto (Paloma), Matteus Cardoso (Artemides), Álvaro Dantas (Carneirinho) e Denise Correia (Judith). Apenas Denise não nasceu no Nordeste. Ela é natural de Alvorada do Sul, cidade da região metropolitana de Londrina, no Paraná. O sitcom será exibido pelo STB Nordeste.

Vânia Lima, diretora da Têm Dendê Produções. Foto: reprodução do site da Tem Dendê.

Em entrevista concedida pelo WhatsApp, Vânia Lima, diretora da Têm Dendê, revelou ao Desde como nasceu a ideia de produzir a série: “Eu nasci no interior da Bahia e meu avô era dono de uma venda, com sinuca. Como ele e minha avó eram separados, eu cresci o visitando esporadicamente e fantasiando sobre esse bar. Então, quando escrevi o primeiro argumento, meu avô tinha partido, e eu estava com essa história inicial na cabeça: um dono de um bar no interior do Nordeste que deixa uma herança cheia de amor, dívidas, música com confusão de um herdeiro perdido. Os personagens e as histórias foram sendo ajustados no encontro com os roteiristas Caio Guerra, Letícia Simões, Cláudio Simões e Daniel Árcades, a seguir com Fernando Guerreiro e Alan Miranda”. Questionada sobre quais questões, para além do humor, a série pretende trazer à tona, Vânia aposta na resistência e na quebra de estereótipos: “Acredito muito que estamos contando uma história de amor e humor. E o humor é um lugar de resistência. Assumimos um sotaque do Nordeste, de uma região do país que é o Rio Grande do Norte, pouco retratada. Trazemos um elenco diverso e talentoso, picardia e acidez para mostrar como os rótulos do ‘regionalismo’ precisam ser ultrapassados”. Betão, que enviou áudio pelo WhatsApp para responder às perguntas do blog, enfatiza o orgulho que o personagem Paixão tem em pertencer ao seu território: “O Paixão é um personagem solar, é um personagem que tem uma alegria  de viver. Além disso tudo, ele é um cara que tem um pertencimento da sua comunidade, do seu território, da sua gente, da sua cultura. Ele é um adido cultural de Caicó. O seu bar é uma espécie de Ministério da Cultura de Caicó. Lá, ele reúne os melhores músicos de forró. É um resgate do forró, um ritmo tipicamente nordestino, nosso, pé no chão. Então, fazer esse personagem é um aprendizado muito grande, porque estamos diante de uma persona que tem um carinho, um apego, um interesse da sua terra, das coisas da sua terra, da sua cultura. Isso é muito bom”. O ator ainda diz como é fazer o protagonista e estar no elenco de uma iniciativa pioneira na produção cultural de Salvador: “Fazer o protagonista dessa série é um presente maravilhoso para mim como ator, para a minha carreira. E fazer parte da primeira série em formato sitcom gravado aqui na Bahia, produto da casa , abrindo portas para mais uma possibilidade, para mais uma frente de trabalho para nós, artistas, atores, é importantíssimo. Eu em sinto muito honrado, muito alegre”, finalizou.

Fernando Guerreiro. Foto: Raulino Júnior/Arquivo do Desde-Janeiro de 2017

Fernando Guerreiro, diretor de teatro e atual presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), é movido a desafios e contou ao blog o que foi determinante para que aceitasse dirigir o primeiro sitcom gravado na Bahia. “A possibilidade de exercitar o humor em outras linguagens. Na verdade, eu tenho uma paixão muito grande pelo humor. A segunda coisa: o humor nordestino. Porque é uma comédia ambientada em Caicó e tem um elenco basicamente nordestino, quase 100%. Por incrível que pareça, a única pessoa que não é nordestina é Denise, mas veio pra cá com seis anos. Então, é nordestina. Eu tenho uma vontade muito grande de fazer alguma coisa na universidade sobre o humor do Nordeste, que eu acho que ele é muito característico”. Guerreiro opinou sobre a importância de projetos dessa natureza para a produção cultural nordestina: “Fundamentais. Acho que tem uma coisa muito legal, que é assim: a Bahia se desconectou um pouco do Nordeste. Parece que a Bahia não é nem Nordeste nem Sudeste. Tem um momento assim que você fica no meio do caminho. Quando eu comecei a minha carreira teatral, em 1970, a segunda peça que eu montei foi um cordel, chamado ‘Comigo ninguém pode’. E nessa época a gente tinha uma conexão muito grande, até de sotaque, de tudo, com o Nordeste. Depois, isso descolou. Ficou parecendo que a Bahia está fora de tudo. E eu acho importante reforçar, com toda questão política que está aí, que o Nordeste é um país, que o Nordeste tem caraterísticas próprias e é muito interessante”. Fernando também falou sobre o desafio de dirigir um sitcom, pois os atores têm que equilibrar as caraterísticas de atuação para teatro e para TV: “É um aprendizado. Ainda estamos tateando. Muitas vezes, gera uma confusão aí no meio. Como a plateia é apresentada, quem está em casa vai ver o público, será algo mais próximo do Sai de Baixo. Quem assistir vai saber que isso é, praticamente, uma peça filmada. Já tem mais liberdade para você trabalhar. Tem um coisa aí que já vê um caminho desenhado, que acaba facilitando bastante”.

Foto: Wrias Meireles

A essa altura, você já deve estar se perguntando: por que o nome não é Forrobodó do Paixão? Guerreiro responde: “Resolvemos botar ‘da Paixão’ porque tem várias coisas amorosas. Todas as tramas acabam descambando para um caso amoroso. Teve essa discussão, mas acabou ficando ‘da'”.

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O blog agradece ao jornalista Kirk Moreno, à mediadora cultural Silara Aguiar, ao produtor Cristiano Luz e a Fernando Guerreiro por possibilitarem a produção desta matéria.

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No Carnaval que homenageou cultura afro, artistas negros reconhecem avanços, mas cobram mais protagonismo

Salvador Capital Afro e 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral foram os temas escolhidos, respectivamente, pelo governo municipal e estadual

Artistas negros de Salvador avaliam presença do afro no Carnaval. No sentido horário: Sergio Nunes (da banda Adão Negro), Antonio Jorge (Tio Elétrico), Negro Léo (Vixe Mainha), Nara Couto, Aloísio Menezes e Pierre Onassis (Afrodisíaco). Fotos dos homens: Raulino Júnior. Foto de Nara: reprodução da internet.

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

O Carnaval de Salvador chegou ao fim e, neste ano, homenageou a cultura afro. O tema escolhido pelo governo municipal foi Salvador Capital Afro. Já o do governo estadual foi 50 Anos de Blocos Afro. Nossa Energia é Ancestral. Diante disso, o Desde entrevistou alguns artistas negros que integraram a programação da festa a fim de saber a avaliação deles sobre a presença do afro na edição de 2024 da folia. Sergio Nunes, vocalista da banda de reggae Adão Negro, reconhece que atualmente há gestores públicos mais sensíveis, mas os desafios continuam. “Eu percebo, sinceramente, que hoje nós temos gestores públicos nas duas esferas, tanto municipal quanto estadual, e mais ainda, na instância federal, que podemos citar já uma pessoa que é pedra fundamental do Pelourinho, que é João Jorge, na frente da Palmares, existe uma sensibilidade hoje muito maior desses gestores públicos em cada uma dessas esferas. Nós estamos otimistas, apesar de que reconhecemos que ainda há muitos desafios. Por exemplo: você sabe que o Adão toca, naturalmente, para o povo da periferia. O Pelourinho está sendo o único show, esse show hoje aqui, onde a gente está tocando no circuito principal de Salvador. A gente foi para Periperi ontem [a entrevista foi foi feita no último dia de Carnaval, 13/2, quando a banda Adão Negro estava prestes a tocar no Largo Pedro Archanjo], a gente estava no interior da Bahia… Temos muito orgulho porque a nossa música nos chama até lá, mas a gente percebe que é ainda preciso mexer nesse jogo de forças pra gente fazer o Carnaval, de fato, diverso a tal ponto que a gente perceba nosso povo preto mais presente na festa. Retornando o que eu falei no começo: temos hoje, apesar dos desafios, gestores públicos que já são sensíveis a isso”.

Sergio Nunes, da banda Adão Negro: “Existe uma sensibilidade hoje muito maior dos gestores públicos, mas ainda há muitos desafios”. Foto: Raulino Júnior

Para Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico, que conta a história do trio elétrico através das canções, a homenagem é uma reparação, mesmo que tardia. “Eu recebo esse fato como uma reparação, na verdade. Porque enquanto alguns trios e alguns blocos deixaram de existir, o bloco afro sempre resistiu. Então, é uma questão de resiliência e de luta, e que tem que ser reconhecida. Então, pra mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”.

Antonio Jorge, do projeto Tio Elétrico: “Para mim, nada mais que uma reparação. A homenagem foi um pouquinho tardia, mas antes tarde do que nunca”. Foto: Raulino Júnior

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha, sentiu a falta de uma presença mais frequente do cantor e compositor Lazzo Matumbi. “Eu vi que foi uma presença bem marcante dos afros no Carnaval de Salvador, mas faltaram ainda uns nomes. Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval. Quando eu vi o Instagram de Lazzo, eu vi, acho, dois shows só. Lazzo era pra tocar no Carnaval inteiro, ter um trio, ter uma coisa, sabe? Lazzo fez muito pela música da gente. Mas, em relação aos afros dentro do Carnaval, eu vi uma presença bem marcante e uma ênfase bem maravilhosa, até nacionalmente também. Pelo fato de ter a abertura do Carnaval na [Praça] Castro Alves com Carlinhos Brown, BaianaSystem, Ivete Sangalo e Ilê Aiyê estar ali, completando 50 anos, abrilhantando aquela festa ali, foi marcante também. A Vixe Mainha está presente também, é um afro presente no Carnaval, pela nossa linguagem, pelas nossas músicas”.

Negro Léo, atual vocalista da banda Vixe Mainha: “Tem que dar mais ênfase a Lazzo Matumbi, que precisa de um espaço, tem que ter um espaço maior no nosso Carnaval”. Foto: Raulino Júnior

Para Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco, a iniciativa de homenagear a cultura afro demorou para acontecer. “Eu acho que é um pertencimento, é uma afirmação de ocupação territorial mesmo. Sobretudo do que representamos como história e é uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro. Os blocos me representam também! Quando eu vejo o Olodum desfilar, o Muzenza, o Ilê Aiyê, eu acho que é a história da gente sendo contada através da música e um registro de personalidade musical, porque a Bahia é afro sim. A história da música baiana começa na música afro. Olodum, Ilê Aiyê, Faraó, entre outras canções que nos trazem essa importância. Toda população negra, preta de Salvador agradece a esse momento de brilho, de respeito, e a gente entende que isso fortalece um movimenta e nos leva pra um futuro diferente”.

Pierre Onassis, da banda Afrodisíaco: “É uma iniciativa, talvez, um pouco tardia, mas que veio. O importante é que nós estamos aí representados pelos blocos afro”. Foto: Raulino Júnior

Aloísio Menezes acha que Salvador Capital Afro tem que ser um tema da vida inteira. “Neste ano, eu tive o prazer de ver os blocos afros passarem muito bem. Porque, a partir do momento que você faz parte da inclusão, a coisa muda. Eu vi a qualidade. O Cortejo Afro, não é porque eu sou do Cortejo Afro, estava lindo demais. O Ilê Aiyê lindo demais. Eu vi o próprio Muzenza, Didá, Malê Debalê, todo mundo esbanjando beleza, esbanjando autoridade. Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta. Então, o afro está no nosso sangue o ano inteiro, a vida inteira. O tema este ano foi Capital Afro, mas que continuem trabalhando pelo afro, dando apoio aos afros, colocando os afros com dignidade e beleza como esse ano. Quero parabenizar o governo do estado e a prefeitura, porque é isso que o povo quer. O povo quer se sentir bem. A partir do momento que você me trata com dignidade e com respeito, você vai ver coisa boa. Anos atrás, eu via o povo com a cuia pedindo “pelo amor de Deus, me ajude botar o meu bloco na rua”. Neste ano, o Ouro Negro deu um show”.

Aloísio Menezes: “Eu não queria que a Salvador Capital Afro fosse só este ano, tem que ser a vida inteira, porque a Bahia é uma cidade preta”. Foto: Raulino Júnior

A cantora Nara Couto filosofa e diz que fica feliz com as homenagens. “A gente está falando de coisas que já acontecem há muitos anos. Neste ano, por conta do bloco afro Ilê Aiyê, que foi o primeiro bloco afro no Brasil, teve essa reverência, mas eu acompanho os blocos afro há muito tempo, nasci no Curuzu e para mim é reverenciar o que já está dito, o que já está posto. Quando a gente faz divulgação da Bahia, a gente chama os blocos afro. Quando a gente quer imagem para falar da musicalidade da Bahia, a  gente traz os blocos afro. Isso é o que a gente tem de mais precioso. Acima de qualquer artista que possa existir. E até de mim. É o nosso embrião, é o nosso útero. Os blocos afro representam esse lugar e cada um traz sua particularidade. E o mais importante: sua raiz. A partir disso, a partir da existência dos blocos afro, a gente sabe que a Bahia nunca vai mudar a rota da própria existência. O que eu vejo hoje é uma reverência, uma honra, que é muito bonito de se ver, mas é uma coisa que já está posta, que já existe há muito mais tempo. Então, que bom que estão acontecendo essas homenagens. Fico muito feliz dessas honras, dessas homenagens, mas o que a gente está falando são de existências que existem há muito mais tempo e estão aí o tempo todo. Quando você veste uma roupa do Ilê, a gente se veste de identidade, de potência, de vaidade, de força, de militância. É nesse lugar que o bloco afro se apresenta todos os anos para todas as pessoas que estão saindo nos blocos afro, pra todas as pessoas que vão pras saídas, que vão pros festivais de música, que também é uma outra vertente dos blocos afro, que é muito importante, sobre os compositores. É uma escolha, é um refinamento, que bom que está sendo visto, sempre foi reverenciado, mas agora com mais ênfase. Os bloco afro sempre existiram e sempre vão existir”.

Nara Couto: “Nunca vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas”. Foto: reprodução da internet

Ao ser questionada se considerou as homenagens satisfatórias, ela não titubeia: “Nunca vai ser, porque a gente está falando de muitas camadas, de muitos blocos afro. A gente está falando do Muzenza, do Ilê, do Gandhy, do Malê, do Bankoma, das Filhas de Gandhy, a gente está falando de muitos outros blocos afro. É um mapeamento. Eu acho que, talvez, depois, mais à frente, saindo desse âmbito do Carnaval, se a gente conseguir, a partir desse olhar agora, nessa festividade, ter um olhar para com os blocos afro e integrar outras coisas, como o próprio Ilê Aiyê faz, que tem a escolinha da Mãe Hilda. É muito benéfico que essas honras estejam acontecendo agora e eu acho que é um ano muito produtivo para os blocos afro a partir do momento dessa organização para propor coisas também. Não vai ser suficiente, porque  gente está falando de muitas camadas. A gente está falando do Ilê, que tem 50 anos, mas o Gandhy é o mais velho. A gente está falando do Malê, do Muzenza, do Bankoma, que é liderado por mulheres, que é uma outra forma de falar do bloco afro. Outra forma de colocar na rua essa arte. São tantas camadas que não seriam suficientes, mesmo se eles quisessem. A gente está falando de uma festa popular que envolve outros artistas. A gente tem essa chancela do Carnaval mais plural e mais diverso do mundo. Então, são tantas outras coisas acontecendo, os artistas da nova geração, que os blocos afro é uma parte e vem nesse lugar de homenagem. Mesmo se o próprio governo, tanto prefeitura quanto secretaria, quisesse, não ia conseguir fazer essa homenagem nesse lugar. Mas eu acho que a partir disso, a partir desse olhar que a gente está vendo nos últimos dez dias, quinze dias, e ainda vai ter pós-Carnaval, vai se estender o verão, com certeza esse olhar vai ajudar muito a algumas marcas enxergarem os blocos afro. Eu acredito nisso. Eu sou uma pessoa de fé. Acredito na fé porque acho que é a única coisa que nos move. Quando as pessoas abalam a nossa autoestima, nossa autoestima e outras coisas são fáceis de ser abaladas, mesmo que a gente retome ao centro, mas quando a gente tem fé, a fé nos move pra muitos lugares. E eu tenho fé nisso. A partir desse olhar, existem marcas que podem olhar os blocos afro de outra forma”.

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Banda Mel retorna ao Carnaval de Salvador e evidencia a importância do axé music manter sua essência

Marcia Short e Robson Morais cobram presença da poesia do samba-reggae nas músicas atuais do gênero

Robson Morais e Marcia Short: vozes e potências da Banda Mel. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

A antológica Banda Mel fez o seu retorno ao Carnaval de Salvador na noite de domingo, no circuito Dodô (Barra-Ondina). Capitaneada por Marcia Short e Robson Morais, vocalistas que ingressaram no grupo, respectivamente, em 1989 e 1990, a atração foi acompanhada por um público saudosista pela época em que a axé music tinha mais riqueza poética, tanto nas letras quanto nas melodias. Canções como Prefixo de Verão, Baianidade Nagô, Crença e Fé e Mulher Primazia, obviamente, figuraram no repertório e foram acompanhadas em coro. Marcia falou sobre a emoção que viveu: “Eu estou arrepiada até agora. Esse foi o estado em toda a avenida. Saudade é um negócio que é tão genuíno, é tão verdadeiro. E a gente via isso no olhar das pessoas, o abraço, o acolhimento, o respeito, o reconhecimento dos que vieram antes. Isso que a gente tem falado tanto, de preservar os que vieram antes. Acho que a gente precisa regar essa raiz, adubar essa raiz, pra essa árvore voltar a dar frutos suculentos, frutos frondosos, frutos frescos. A gente está alimentando a raiz. Daqui a pouco, tudo volta pro lugar”. Robson destacou a lealdade das pessoas ao trabalho da Banda Mel: “Tiveram pessoas aqui que eu não acreditei que viriam, que vêm me sinalizando que viriam pra ver a gente e estavam aqui. Pessoas do Distrito Federal, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro… Estavam aqui e não queriam subir no trio, não. Queriam ir na pipoca, do lado da gente. Isso é muito bacana. E vieram na pipoca até agora, até o final. Debaixo de chuva, cheia de questões, mas estavam aqui, chegaram até o fim. Então, essa lealdade ao nosso trabalho, essa confiança no trabalho da gente, essa alegria toda nos comove ainda e isso e muito bom”.

Essência do Axé

Por onde passam, Marcia e Robson fazem questão de levantar a bandeira a respeito da qualidade e essência do axé. O Desde entrevistou os cantores a fim de saber sobre qual essência eles se referem. Marcia foi categórica: “O samba-reggae. A mola mestra de tudo. O motivo de tudo. Se hoje a gente está passando nesse caminho ladrilhado, foi o samba-reggae que abriu. O nome axé music foi uma brincadeira que ficou séria, mas a mola mestra de toda a cena da música da Bahia, que vigora até hoje, chama-se samba-reggae”. Ao ser questionado sobre o que dessa essência falta atualmente no gênero, Robson não titubeou: “Qualidade. Muita música curtinha, muita música feita pra ser sucesso imediato e aí o pessoal esquece da qualidade. Acho que isso está faltando e acho que gente pode contribuir muito com isso também. Obviamente, vamos chamar todos os nossos amigos compositores, os antigos, que compunham música pra gente lá atrás, e os novos compositores, pra gente tentar buscar canções novas, formas novas de tocar o nosso samba-reggae, porque a gente também precisa evoluir, mas com essência toda, a célula lá de trás”. Marcia complementa: “Eu acho que, quando tem quem consuma, a gente tem que ficar atento, pra gente não invadir o espaço dos outros. Eu acho que mulher é poesia e a mulher tem que ser cantada com amor e respeito. Quem deu passagem pra todo mundo aqui foi uma mulher. Eu tenho algumas ressalvas com relação às letras. Eu acho que essa linha de composição é delicada, mas eu não aponto nem como bom nem como ruim. Eu só consumo o que eu gosto. Se eu não gosto, eu não ouço”.

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Foliões opinam sobre música que, definitivamente, não pode ser eleita como a “do Carnaval”

Fotos: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior || Especial – Carnaval sem Confete ||

O Carnaval de Salvador é uma vitrine para os artistas da música. Cantores, cantoras e bandas querem emplacar a música do evento. Isso rende mais visibilidade e, consequentemente, mais contratos ao longo do ano. Em geral, as enquetes perguntam aos foliões a opinião deles sobre qual música será eleita como a do Carnaval. O Desde foi ao circuito Osmar (Campo Grande) para saber o contrário: qual música, das cotadas para levar o título, não pode, definitivamente, ser eleita como tal? Veja as respostas a seguir.

Evelin Lima, 22 anos, autônoma

“A música Liquitiqui eu não gosto. Também porque eu não gosto de Claudia Leitte. Eu não vou com a cara dela. Não gostei da música. Achei muito sem graça. Então, acho que a música que não deveria ganhar o Carnaval é Liquitiqui, de Claudia Leitte”.

Genivaldo Queiroz, 39 anos, atendente

“A música do Carnaval, que eu acho que não tem nada a ver, é a do Polêmico, essa do rufo, rufo, rufo. Eu acho que não é a cara do Carnaval. Não tem nada a ver com Carnaval”.

Beatriz Silva, 19 anos, autônoma

“Eu acredito que seja a música Rufo Rufo, do cantor Polêmico, porque não tem letra. É somente isto: rufo, rufo o tempo todo. Só tem a batida. E existem outras músicas muito melhores que estão concorrendo e que devem ganhar”.

Guido Velansk, 36 anos, ator e jornalista

“Eu acho que é Macetando, de Ivete Sangalo, porque eu acho que esse tipo de música tem uma intenção sexual e eu não gosto muito dessa coisa. Tudo hoje as pessoas falam “macetando”, “eu quero macetar”, sempre levam para o lado sexual. A própria coreografia mesmo que eles montaram com essa música tem esse cunho muito sexual. Eu acho que poderia, talvez, usar uma outra forma. Eu acho que ela não deveria ser eleita”.

Alexsandro Nascimento, 31 anos, analista de redes

“Pra mim, na minha humilde opinião, porque eu não estou aqui pra tá julgando música nem nada, sou apenas um consumidor do conteúdo, mas a música que Claudia Leitte fez agora não tem muito a ver com Carnaval. É uma música feita pra um ambiente diferente, que não é o ambiente do Carnaval. Pra mim, essa aí, poderia estar descartada”.

Joelma Silva, 46 anos, assistente social

“Na minha humilde opinião, eu acho que a música de Ivete Sangalo não deveria ser a música eleita do Carnaval, pelo simples fato de que eu sou uma mulher preta, ela é uma mulher que não vende a nossa cultura, que não valoriza a nossa cultura. É uma mulher que pensa pela branquitude e não pela negritude e isso me incomoda muito, por ser uma mulher preta, uma mulher gorda, uma mulher que luta pela nossa cultura, pelos nossos direitos”.

Andrea Leôncio, 30 anos, advogada

“Na minha opinião, a música de Psirico não tem nada a ver com Carnaval. Porque a letra, pelo que eu conheço, só tem ‘música do Carnaval, música do Carnaval’ e não tem outra letra. Então, pra mim, a música de Psirico não deve concorrer  à melhor música do Carnaval”.

Enimara Ferreira, 52 anos, professora

“Na minha opinião, a música que não deve ganhar é a de Claudinha Leitte, porque eu acredito que uma música para ser eleita a Música do Carnaval, tem que ser uma música que esteja na boca do povo, que você sinta a vibração e que todo mundo consiga se identificar com ela a partir da mensagem que está sendo transmitida. Então, essas músicas intelectualizadas, com palavras que as pessoas não sabem nem o que é, eu acredito que não tem o intuito do que é o Carnaval, que é uma festa popular, aquilo que, de fato, mexe com o povo naquele momento”.

Paulo Barbosa, 64 anos, aposentado

“Pra mim, a pior música do Carnaval deste ano, de todas, é a do Léo Santana, que é Perna Bamba. Eu achei ela muito apelativa, acho que não é legal para as mulheres esse tipo de situação. É mais uma apelação, é mais uma falta de respeito com relação à mulher. Bota as mulheres para baixo, aquela história machista. Então, pra mim, essa jamais ganharia”.

Cissa Artes, 65 anos, artesã

“Aquela que não sacode os baianos, aquela que ninguém quer: “Quilo, quilo, quilo, quilo”, Claudia Leitte. Nada a ver com a energia do baiano, da brasilidade”.

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13 anos de sorte!, Cultura, Jornalismo Cultural, Música, Texto de Quinta

Músicas que já nascem com status de “sucesso do verão” ou “hit” são bombas que não estouram

  “O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos”*

Foto: montagem feita a partir de captura de tela de story do Instagram.

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 

É muito comum, principalmente nesta época do ano, o público ser bombardeado com lançamentos musicais de artistas de diversos gêneros. Nada novo sob o sol. Isso é uma tônica da indústria fonográfica desde sempre. Cantores, cantoras e bandas querem emplacar o sucesso do verão e não medem esforços para isso. Nenhum mesmo! O que é, digamos, relativamente novo, é a forma como o marketing em torno desses lançamentos acontece. Tenho certeza de que você já viu um card (ou story) nas redes sociais ou um outdoor nas vias por onde circula anunciando a música do artista “X” ou “Y” como “o novo sucesso do verão” ou “o hit”. É nesse momento que você se pergunta: “Que música é essa que eu nunca ouvi? É hit mesmo?”. Tais questionamentos não têm a ver com arrogância, de se achar superior porque não escuta “esse tipo de música”. Na verdade, têm relação com uma consciência de entender que uma música se torna “o sucesso” de forma muito orgânica e não trazendo esse título previamente. É como se o artista invalidasse a importância da curadoria do público. Estranho demais. Afinal, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, não é?

Antigamente, o marketing da “música de trabalho” era todo feito pelas gravadoras, que ditavam o mercado. Os artistas, obviamente, tinham que divulgá-la ao máximo. Em geral, a música era escolhida por mandachuvas das empresas, que pouco entendiam do riscado e não eram, necessariamente, artistas. Fazia parte do modus operandi. Hoje, o próprio artista tem essa autonomia para escolher a música que vai trabalhar em cada período do ano. Como o cenário está cada vez mais competitivo, muitas estratégias são utilizadas para fazer a música “hitar”. Uma delas é fingir que o lançamento é um sucesso retumbante. Nunca é, mas o artista faz parecer ser. Muitas vezes, até dentro da bolha dele (os fãs), a aposta não estoura. Os fãs toleram, mas sabem que a música não é aquilo tudo que o artista vende. E por que alguns artistas mantêm essa ilusão? Há várias razões, mas a principal delas é a presunção de que a música vai acontecer. Quase sempre, não acontece e flopa (para usar um termo da atualidade) de maneira não esperada pelos envolvidos. É uma bomba mesmo, que não estoura! No máximo, um traque junino, que não abala estrutura nenhuma.

Em recente entrevista para o BahiaCast, podcast de Salvador, o cantor e compositor Ricardo Chaves fez uma analogia que se aplica ao que está sendo discutido aqui. Ele falou que a música perdeu o efeito perfume, devido à velocidade de produção dos tempos de hoje: “O que é que eu chamo de efeito perfume? Quando você sente um perfume, ele lhe remete a alguma coisa de alguém que usou aquele perfume. Seja sua vó, seja sua mãe, seja seu pai, seu melhor amigo, sua primeira namorada, seu momento legal. E a música tinha esse efeito, hoje ela não tem mais”. A música marcava porque tinha uma identificação e conexão com o público. Apesar de toda a busca por lucro que está presente na indústria cultural, a impressão que dá é que antes as músicas não eram feitas, deliberadamente, para marcar. Elas, simplesmente, marcavam. Pode ser ingenuidade pensar assim, mas era o que parecia. Havia uma espontaneidade no ar. Hoje, há toda essa sanha de ter o sucesso do verão, de querer marcar goela abaixo. E não marca. Qual foi a grande música do verão passado? Ninguém sabe. O radicalismo é intencional!

Uma música só vira sucesso mesmo quando sai da bolha do artista, porque, para o fã, a música do seu ídolo sempre vai ser bem-sucedida. Alguns fãs não têm criticidade para discernir entre realidade e fantasia. Ou, simplesmente, não querem. Para ser didático: a música da cantora “X” só vira, de fato, um “hit” quando atinge quem não acompanha a moça, pessoas que estão alheias ao que acontece na carreira dela e que são atravessadas, involuntariamente, pela canção. Durante participação na Expo Carnaval Brazil, evento que aconteceu em Salvador em novembro do ano passado, o cantor e compositor Magary Lord criticou essa busca desenfreada para ser o artista dono da “Música do Carnaval”. “Essa necessidade de ser a Música do Carnaval acabou plastificando a nossa música, que perdeu a força de poesia”. E quando perde essa força, a música atende a outros propósitos. Por isso, alguns artistas induzem o público a achar que seus lançamentos são “hit” e “novo sucesso do verão”. Alguém já disse que a propaganda é a alma do negócio. De vez em quando, essa alma fica debilitada e produz “o maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos”. 
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13 anos de sorte!, Cultura, Jornalismo Cultural, Notícia

13 anos de sorte!

Desde completa 13 anos em atividade

Na cultura ocidental, é comum associar o número 13 a azar e coisa ruim. Para o Desde, que completa 13 anos hoje, o numeral é motivo de muita sorte. Afinal, chegar até aqui, se reinventando e se desafiando, é razão suficiente para comemorar. O jornalismo cultural requer leitura, criatividade, pesquisa e criticidade. O blog se esforça para garantir todos esses elementos na sua prática. Ao longo desses treze anos, a qualidade do que é feito por aqui sempre foi o objetivo principal. O jornalismo pode muito mais do que apenas reproduzir release. A nossa preocupação é esta: fugir do mais do mesmo. Estamos conseguindo e isso nos orgulha.

E o que se espera de um blog de jornalismo cultural? Essa pergunta permeia todas as nossas produções. Sempre fazemos esta autorreflexão quando pensamos numa pauta. É um exercício fundamental para seguir adiante, ter estímulo e contribuir para a sociedade da qual fazemos parte. Jornalismo é coisa séria e não pode ser feito sem propósito, à toa.

Vamos seguir com um olhar diferenciado para os nossos aspectos culturais. O jeito Desde de cobrir a cultura já tem uma identidade e vamos mantê-la. Isso significa que a apuração bem feita, o debate aprofundado de assuntos da atualidade e a singularidade no processo de produção das notícias vão permanecer no nosso cotidiano. É mais um período para seguir colhendo tudo que foi plantado. O nosso plantio foi feito sem pular etapas e com muita vontade de colher bons frutos. Que você continue nos acompanhando! Vumbora! Parabéns para o Desde!

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"Adolescendo Solar", Cultura, Jornalismo Cultural

Então, é Natal… e a decoração dos shoppings, quem fez?

 Desde mostra quem são os artistas responsáveis pelas decorações de Natal de shoppings de Salvador

Da esquerda para a direita, Telma Calheira, Fernando Lacerda, Juarez Fagundes e Bianca Quiudini. Foto: montagem a partir de arquivo pessoal dos artistas.

Por Raulino Júnior 

Quando a gente ouve a palavra Natal, não tem como não pensar em luzes, brilho, músicas (“Então é Natal/E o que você fez?…”) e decoração, não é? Cada família decora as casas de acordo com as suas preferências e condições. Em cidades do interior, era comum ter a visitação nas casas da vizinhança a fim de conferir o presépio e toda a arrumação para o período natalino. É muito comum também ser noticiada a inauguração das decorações de shoppings presentes nos grandes centros urbanos, mas você já se perguntou quem são os artistas responsáveis por elas e como eles criam cada projeto? Como toda arte tem autoria, é sempre importante mostrar e valorizar esses criadores. Para produzir esta reportagem, o Desde visitou quatro shoppings de Salvador: Center Lapa, Piedade, Shopping da Bahia e Salvador Shopping. O objetivo era fotografar as exposições e pegar, através do setor de marketing de cada centro de compras, os contatos dos artistas. O Shopping da Bahia solicitou que enviássemos e-mail para conseguir tal informação, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.

A baiana Telma Calheira, da empresa Telma Calheira Ambientação Exclusiva, assina as decorações dos shoppings Lapa e Piedade. No primeiro, o tema escolhido foi Gran Circo do Lapa; no segundo, Natal na Neve. Em entrevista através de trocas de mensagens no WhatsApp, Telma respondeu como nasce o conceito e a ideia de cada decoração: “Nós oferecemos propostas de temas e nosso cliente escolhe o que melhor se adapta ao shopping e ao seu orçamento. Muitas vezes o cliente nos apresenta um tema e nós desenvolvemos”. Nascida em Ibirataia, a artista plástica autodidata tem 28 anos de experiência em decoração e cenografia. Além dos shoppings já citados, Telma também fez as decorações do Shopping Bela Vista, do Boulevard Shopping Camaçari e da cidade de Candeias. Sobre os custos dos projetos, o filho, sócio e representante comercial e de projetos da empresa, Vinícius Calheira, entra na conversa e prefere não dar muitos detalhes. Ele justifica: “Normalmente, a gente não fala, porque quando fala em valor, a gente tem que pedir autorização aos shoppings. A gente pode falar dos nortes financeiros que os shoppings de Salvador investem. Shoppings de pequeno e médio porte investem em torno de 250 a 400 mil reais. Depende se tem fachada externa, acessórios, enfim… Os shoppings maiores investem em torno de 700 a 1 milhão de reais”, explicou, enviando áudio no WhtasApp. Além do Natal, Telma faz decorações para festas juninas e Carnaval.

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A decoração de Natal do Salvador Shopping foi idealizada pela empresa paulista ZERO57 Comunicações Visuais. Por telefone, Fernando Lacerda, sócio e responsável pela parte administrativa e de gestão do estabelecimento, concedeu entrevista ao Desde para falar sobre detalhes da estrutura montada no centro de compras. O seu tio, Juarez Fagundes, é artista e fundou a ZERO57 em 1991. O site da empresa diz que ela “se especializou na produção e cenografia de eventos, com grande destaque para seus projetos de Natal”. E que “cuida de todas as etapas do projeto, desde a criação, produção dos elementos, instalação e desmontagem”. Fernando, que também contribui para a parte criativa, se juntou ao tio e à arquiteta Bianca Quiudini para elaborar a decoração do Salvador Shopping, cujo tema é Natal Musical. Sobre o conceito, ele afirma que foi criado em conjunto: “A gente trouxe a sugestão para o Salvador Shopping. Foi construído um conceito ,um projeto por nós da ZERO57 e apresentado ao shopping. Claro que o shopping participa, ajuda a construir. A ZERO57 se diferencia de alguns concorrentes porque a gente faz uma criação do zero. O Salvador Shopping nos pediu um projeto que tivesse alguma coisa interativa interessante, mas sem perder o clássico do Natal. A gente apresentou um piano enorme, com tela de LED, que traz modernidade, interação e foge do comum. No entanto, preservando todo o clássico do Natal”. Por causa da confidencialidade com o cliente, não é possível falar de custos dos projetos, mas Fernando dá uma média de quanto os centros de compras investem: “A gente atende bastante shoppings pelo Brasil e projetos grandiosos, certamente, ficam na faixa de 1 a 2 milhões de reais de investimento”.

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Juarez fez Direito, mas não concluiu. É pintor, artista plástico e sempre teve a arte no seu cotidiano. Foi o responsável, durante os cinco primeiros anos, pela decoração do tradicional Natal do Palácio Avenida, em Curitiba. Em 2023, o evento realizou sua 33ª edição, marcado pelas janelas decoradas do prédio e o coral natalino composto por crianças e adolescentes. Fernando é formado em administração de empresas, tem pós-graduação em finanças e trabalhou por cerca de dez anos no mercado financeiro. Bianca trabalha há uns cinco anos nos projetos da empresa. A arquiteta tem experiência em projetos voltados para o Natal. “O trabalho do profissional de arquitetura é muito importante num projeto, porque, além de todos os documentos que precisam ser expedidos, é fundamental saber se tudo vai caber direitinho, o posicionamento, fazer as ilustrações em 3D e as criações”, esclarece Fernando.

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"Adolescendo Solar", Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha

“Rita Lee: outra autobiografia” traz deboche e consciência de finitude da artista

Relato aborda o diagnóstico do câncer e o tratamento durante a pandemia

Imagem: divulgação

Por Raulino Júnior  ||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

“Algo me diz que tenho escrito muito sobre morte. Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto? A morte é a única verdade, e cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra quê fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor? Desta vida, não escaparemos com vida”. Esse trecho, presente na página 82 de Rita Lee: outra autobiografia (Globo Livros, 2023), sintetiza muito bem o teor da obra: é um relato leve, debochado e repleto de passagens que constatam que a autora tinha muita consciência de sua finitude. No texto, a paulistana Rita Lee Jones de Carvalho (1947-2023) narra como se deu a descoberta do câncer no pulmão, o tratamento durante a pandemia do coronavírus (o diagnóstico foi dado em abril de 2021) e a preparação para uma exposição em homenagem à sua carreira. O deboche e a autozoação eram traços marcantes da personalidade de Rita, presentes nesta e também em sua primeira autobiografia, lançada em 2016.

A narrativa de Rita Lee parece ser uma conversa com amigos na sala de estar. É simples e interessante, além de bem-humorada. Ela trata as pessoas que conheceu durante o tratamento de “oncolegas” e batiza um dos seus tumores de “Jair”, numa referência a Jair Bolsonaro, amplamente criticado na autobiografia. Por sinal, referência era uma coisa que a roqueira tinha para dar e vender. Ao longo do texto, ela faz menção a várias canções da Música Popular Brasileira (MPB): “Mistérios sempre hão de pintar por aí” (p. 20), “Queria dar beijinhos e carinhos sem ter fim nessa moçada…” (p. 124), “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte” (p. 144) e algumas outras. Rita também cita várias experiências sobrenaturais que teve durante a vida e durante o tratamento, reflete sobre a velhice, proteção de animais e da natureza. E mostra acidez e humor ao falar dessa última: “Fumava para meditar sobre uma letra de música, buscar uma solução para problemas caseiros ou dar uma pausa e só bundar no jardim pensando em como salvar a Natureza enquanto poluía com meu tabaco os delicados aromas das gardênias, dos manacás, das damas-da-noite, ou seja, a mesma Natureza que eu queria tanto salvar… lá estava eu jogando Marlboro no ar. Rita paradoxal. Alguma coisa estava fora da nova ordem mundial em relação aos cuidados com nossa Terra Nave Mãe”, p. 35-36.

Rita acreditava que fosse se curar do câncer. No último parágrafo do capítulo A radioterapia, ela diz: “Mas, em grande parte das vezes, o medo pelo sofrimento que a quimio causou em minha mãe foi suplantado pelo desejo de me curar daquele câncer em homenagem a ela, como uma vingança tipo máfia siciliana”, p. 52. Contudo, no próprio texto, ela revela algumas malandragens que fazia para não tomar os remédios e fingir que estava ganhando peso. Phantom (intervenções de Guilherme Samora), o fantasma onisciente que também esteve na primeira autobiografia, é quem entrega: “Rita, agora que está com dois quilos a mais, não seria a hora de contar o truque de colocar um peso de papel no bolso para enganar a balança e não ter que comer toda hora?”, p. 132.

No dia 8 de maio deste ano, Rita Lee morreu, deixando um legado na música, na literatura e no comportamento. “Aquela velha frase: nunca fui um bom exemplo, mas sempre fui gente fina”, p. 120.

Referência:
 
LEE, Rita. Rita Lee: outra autobiografia. 1. ed. São Paulo: Globo Livros, 2023.
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"Adolescendo Solar", Cultura, Jornalismo Cultural, Notícia

Qualidade de música feita para o Carnaval vira foco de debate em feira sobre a festa

Compositores baianos opinaram sobre músicas feitas para o período carnavalesco

Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord em painel que debateu sobre música do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Por Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil, feira de negócios sobre a festa que é considerada a maior do país, promoveu, na tarde de hoje, um debate sobre música do Carnaval e sobre a importância dos compositores dentro de toda a estrutura carnavalesca. Rafa Chagas, Manno Góes, Marcio Mello e Magary Lord refletiram e opinaram sobre o tema. Entre discussão sobre processo criativo para compor e o que faz uma música ser bem-sucedida, os compositores debateram sobre a qualidade da música feita para a folia. Assunto sempre controverso, pois há muita crítica em relação aos critérios utilizados para dizer que uma música é de qualidade ou não, foi Magary Lord quem levantou a bola: “Essa necessidade de ser a Música do Carnaval acabou plastificando a nossa música, que perdeu a força de poesia”. Manno concordou com Magary, mas pontuou que isso é reflexo da sociedade. “Hoje, a linguagem é mais direta. A música perdeu as metáforas. O cara fala logo que quer meter… Nem sempre a Música do Carnaval é a música inesquecível. Tem músicas que ganharam como Música do Carnaval que ficou lá esquecida naquele Carnaval e nunca mais ninguém nem falou, nem quis ouvir, nem quis citar”. Para Marcio Mello, as pessoas não devem levar tão a sério a música feita para o Carnaval. Ele ainda destacou a importância da espontaneidade artística nesse processo. “Antigamente, os intérpretes ouviam as músicas dos compositores e decidiam gravar porque gostavam das canções. Eu não mandei Nobre Vagabundo para Daniela [Mercury]. Ela foi a um show meu, ouviu e gostou. É preciso pegar a espontaneidade do compositor e tornar algo perene”.

Música do Carnaval: apenas negócio?

Em entrevista exclusiva para o Desde, Rafa Chagas, Magary Lord e Marcio Mello opinaram sobre o fato de alguns artistas buscarem o tempo todo o título da Música do Carnaval, sem se preocupar com o fazer artístico. Para Rafa, isso gera um desafio, que pode ter seus prós e seus contras. “Acaba gerando um desafio entre o artista. Se for de uma forma positiva, a gente sai ganhando, porque contribui para o movimento. Principalmente, se for música da quebrada, o fortalecimento é muito maior. Se for do lado negativo, a gente sai perdendo, mas a música tem esse poder de unir. A música é universal, agrega todos os ritmos, todos os povos. A música é o encontro de tribos”. Indagado se a música deve ser só pensada como negócio ou como produto artístico que é, ele é enfático: “Os dois! A gente precisa colocar comida dentro de casa. A gente precisa pagar a nossa conta, a conta do filho, a escola, o cartão de crédito que está ali devendo… Acho que se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva para o nosso trabalho”.

Rafa Chagas: “Se a gente juntar esses dois lados, a economia e a questão da arte, a gente consegue caminhar e ter uma resposta positiva pro nosso trabalho”. Foto: Raulino Júnior

Magary acha que o problema está na falsa percepção de que todo mundo pode compor. “A composição e a poesia são coisas para pessoas especiais. A poesia é coisa muito séria. Então, essa coisa virou uma dinâmica de muito imediatismo da música, da rima de mamão com melão. Isso acaba nos prejudicando como compositores que lemos um bom livro, que lemos dicionários, que temos uma oratória e que nos importamos realmente com a mensagem. A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”.

Magary Lord: “A mensagem é mais importante do que a música em si. A batida do pagode é uma batida maravilhosa, que a gente adora, mas quando coloca algumas letras em cima, a coisa fica plastificada e não presta mais”. Foto: Raulino Júnior

Ao responder sobre as composições voltadas para o Carnaval feitas na atualidade, Marcio Mello diz que elas abraçam mais ritmos. “A música vive um momento muito bom hoje, porque ela é aberta a milhões de possibilidades. No meu tempo que eu pulava Carnaval, na adolescência, era mais voltado para marchinhas e tinha quatro, cinco compositores. Hoje, a diversidade é muito grande. Consequentemente, a música também se torna muito maior, muito mais abrangente. A música do Carnaval hoje abraça todos os ritmos. Então, o compositor tem que ter uma cabeça muito mais aberta, para que possa fluir mais a música. Eu acho que hoje em dia está acontecendo isso. Você vê de tudo na avenida, todos os ritmos, todos os sons, todas as possibilidades”. E quanto as letras? “As letras das músicas de Carnaval sempre foram divertidas e sempre vão ser. Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo. Partindo do pressuposto de que a música é para o Carnaval, eu acho divertida, eu acho bacana. Tem coisas que eu não gosto, mas também não vou ouvir na minha casa, vou ouvir na rua e está tudo certo”, finaliza.

Marcio Mello: “Quando se parte do pressuposto de que a música é para o Carnaval, que você só está preocupado com o período do Carnaval, a música tem que ser divertida mesmo”. Foto: Raulino Júnior

A Expo Carnaval Brazil acontece em Salvador, no Centro de Convenções, e está na sua segunda edição. Desde o dia 24 de novembro, tem promovido reflexões sobre os carnavais do Brasil. O evento será encerrado amanhã, no Pelourinho, com um encontro de manifestações carnavalescas. Neste site, você fica por dentro da programação: https://expocarnavalbrazil.com.br/.

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