Entrevista, Entrevistona

O rugido do Leandro

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Paulo Leandro posa para o repórter do DQEMEPG. Ao fundo, o escudo do Vitória, seu time do coração.

Paulo Leandro tem 48 anos, 27 deles dedicados ao jornalismo. Passou pelas redações dos principais jornais baianos, entre eles Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia e A Tarde. Em 17 de abril deste ano, foi demitido do Correio, onde acumulava as funções de secretário de redação e editor de esporte desde 2008. É mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, dá aulas para futuros jornalistas no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), mantém um blog no Portal Esportivo, escreve no site Futebol Brasileirão e tem uma coluna (Coluna do Leãodro) no Rugido do Leão, jornal do Esporte Clube Vitória. Nesta entrevista, ele fala sobre trajetória profissional, cultura baiana e analisa o jornalismo feito na Bahia: “É muito adestrado ainda”. Aqui, Paulo “ruge” contra isso e contra várias outras coisas.

Desde que eu me entendo por gente: Quando você percebeu que queria ser um profissional do jornalismo?

Paulo Leandro: Eu gostava muito de português e de redação, essas disciplinas eram o meu forte, desde o primário. Sempre gostei muito de escrever e gosto até hoje. Então, decidi fazer jornalismo. E também porque, naquela época, 1981 e 1982, eu vivia um clima de esperança e, ao mesmo tempo, de instabilidade política, uma vez que o país vivia ainda sob a Ditadura Militar. Eu vi no jornalismo uma possibilidade de fazer com que eu pudesse divulgar mais as ideias que poderiam contribuir para mudar aquele cenário. Eu achava que tinha vocação para escrever e também achava que tinha a obrigação de contribuir com que eu pudesse para que o Brasil pudesse sair da situação que se encontrava. Foi o encontro da minha vontade com a minha afinidade.

DQEMEPG: Na sua trajetória profissional, há experiências como assessor de imprensa. O que você acha dessas críticas que a gente ouve, até na faculdade mesmo, de que jornalista não pode ser assessor?

PL: Eu encaro com muita tranquilidade porque a gente precisa trabalhar. Se eu fosse latifundiário, industrial ou tivesse muitos imóveis para alugar, eu também esperaria o momento para trabalhar só em jornal. Mas eu preciso escrever para ganhar o meu pão e, em determinados momentos de minha carreira, o que apareceu para mim foi assessoria. Então, eu honrei essas oportunidades com o máximo que eu pude. Atendi aos princípios do jornalismo dentro da assessoria. Eu acho melhor que seja um jornalista que ocupe esse espaço do que outro profissional de qualquer outra área de comunicação, porque nós sabemos identificar o que é notícia, nós sabemos escrever uma notícia. Sabemos também zelar por nossos princípios: atualidade, interesse, importância, inusitado etc. Na medida do possível, sabemos zelar também por nossos princípios éticos; porque, no diálogo com a empresa, o jornalista, muitas vezes, fica refém dos interesses estratégicos dela. No entanto, acredito que é melhor que seja um profissional preparado para isso, um jornalista, do qualquer outro, de qualquer outra função. Não vejo com muito estresse essas críticas nem acho que quem trabalha em assessoria é menos jornalista. Mesmo porque, muitas vezes, você trabalha em jornal e é mais assessor do que o assessor. Em determinados momentos, você atende muito mais aos anseios das empresas que têm interesse no jornal. É melhor que tenha um profissional de jornalismo nas empresas fazendo essa comunicação corporativa do que um profissional, por exemplo, que só tenha visão estratégica. O jornalista está capacitado para tal. Então, jornalistas, ocupem as assessorias. Sem culpas.

DQEMEPG: Você foi repórter da sucursal da Agência Estado em Salvador. Como foi essa experiência?

PL: Foi linda a minha experiência com a Agência Estado. Até hoje eu lembro com muito carinho dela. No tempo da Agência, eu sofri muito porque meu texto sempre foi muito solto, eu gostava de brincar com as palavras. Na Agência, tive que, de fato, colocar um formato no meu texto. Ele precisava ser um texto parecido com os outros. Tive que anular a minha subjetividade, que é uma característica do jornalista. Você tem que se apagar para que a objetividade transpareça. Você se reduz para que o fato se torne visível. Se sua subjetividade cresce, nesse contexto, o fato pode ficar para segundo plano. E, aí, nós não seríamos jornalistas.

DQEMEPG: Você dá aulas para futuros jornalistas. Em sua opinião, esses jovens são mais ousados ou mais conservadores em relação à prática jornalística?

PL: Pela minha prática docente, que tem apenas uma década, eu percebo que os melhores jornalistas são, às vezes, os alunos mais inquietos. Nossa atividade requer inquietude, crítica, vontade de transgredir, tendência a não aceitar as coisas. O que faz do jornalista um jornalista é esta vontade de contrapoder, de perguntar: “Isso está certo?”, “Por que eu vou seguir isso desse jeito?”. Isso é do jornalista. Se estou ensinando a futuros jornalistas, tenho que levar em conta esse perfil. Então, o que eu observo, é que um ótimo aluno de jornalismo pode não ser um bom jornalista, porque ele está muito condicionado às regrinhas, ao comportamentozinho. A classe docente atual colabora bastante para a construção desse jornalista muito adestrado. Eu vejo o pessoal muito encantado com Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), com certo sistema de premiação, de recompensa; uma formação de grupos muito intensa. Isso acontece porque o meio jornalístico também é muito corporativista e muito persecutório com quem o critica ou com quem faz algumas considerações que podem não ser as mais esperadas.

DQEMEPG: De acordo com a sua experiência como docente, as faculdades de jornalismo estão cumprindo o papel delas? Estão formando bons profissionais?

PL: Acho que sim. Sem dúvidas, temos ótimos textos no mercado e bons profissionais. Alguns ex-alunos já me empregam hoje em dia. As coisas se inverteram. Eles, agora, é que são os meus mestres. Realizam, para mim, o que Leonardo Da Vinci dizia: “O mestre deve ficar feliz quando o discípulo o ultrapassa”. A grande felicidade de quem está há mais tempo na estrada, que passa algum ensinamento, é perceber que, um dia, a pessoa que você passou alguma coisa está escrevendo e editando melhor que você. Você fez o seu papel e foi ultrapassado.

DQEMEPG: Para você, no jornalismo, tem gente que só é mito? Ou seja, pessoas que têm um nome bem estabelecido, mas que deixam a desejar no quesito “qualidade”?

PL: Só o que tem é isso. Muita máscara, muita superficialidade, muita vaidade e construção de estereótipos de imagem por causa de elogios que circulam no próprio grupo. Eu conheci ótimos profissionais, pessoas maravilhosas, com textos espetaculares que, por não saberem se promover, ninguém nem sabe que passaram por jornal. Já outros, por causa de uma habilidade pessoal de conquistar visibilidade por meio da própria mídia que dirigem e pelas várias parcerias que conseguem fazer, inclusive na área acadêmica, têm alta visibilidade, são tidos como lideranças; no entanto, cometem erros ortográficos terríveis.

DQEMEPG: No livro A arte de fazer um jornal diário, Ricardo Noblat cita a seguinte frase: “Enquanto médico pensa que é Deus, jornalista tem certeza”. Você concorda com tal afirmativa?

PL: Tem outra que complementa essa: “O jornalista, quando quer se suicidar, sobe em cima do ego e se joga lá de cima”. Eu digo aos meus alunos: “Vocês, hoje, estão aqui, conversando comigo, mas quando vocês começarem a assinar matéria, quando vocês começarem a ser reconhecidos nos jornais, pode ser que vocês mudem; porque o ego fica muito inflado, obeso, superdimensionado”. A proximidade com fontes consideradas importantes para a sociedade (governantes, donos de empresas, dirigentes dos clubes etc.) vai inchando a cabeça da pessoa e, se ela não tomar cuidado, pensa que é o que não é. Então, jornalista, como dizia Millôr Fernandes, é oposição, contrapoder. No momento em que o jornalista sai da sua posição de contrapoder e vira poder, ele não é mais jornalista. Acho que ele usa as ferramentas do jornalismo para trair o jornalismo. O jornalista tem que ter sempre os pés no chão, tem que ser sempre crítico e sem pretensões de poder. Essas alianças que eu vejo hoje com marketing e com empresas, vejo com muita cautela, porque eu não me entusiasmo com isso. Você tem que ceder grande parte dos seus princípios para fazer essas alianças. Sou contra isso. Talvez seja porque minha geração era muito reticente em relação às parcerias comerciais.

DQEMEPG: Você trabalhou em importantes veículos de comunicação da Bahia, entre eles a Tribuna, o A Tarde e o CorreioEditorialmente falando, onde você tinha mais liberdade?

PL: Cada época foi boa, linda e gratificante. Eu tenho muito amor por essa trajetória. A partir dos 21 anos, praticamente a minha vida foi dedicada às redações dos jornais. Principalmente na editoria de esportes. Em 1986, quando eu comecei como repórter, o Correio era ainda o jornal de ACM (Antônio Carlos Magalhães) e não tinha muita liberdade, não. Ao contrário: muitas vezes eu era pautado para fazer reportagens esportivas que tinham objetivos políticos. Isso causou uma inquietação tão grande na minha alma que, no dia que fiz o projeto de mestrado, quis discutir como os dirigentes esportivos constroem carreira política na página de esporte. Na Tribuna, que trabalhei entre 1987 e 1989, tive boa liberdade. Era um jornal de oposição no final da Ditadura Militar e que combatia o grupo político local hegemônico da época. Foi um momento muito bom para mim. Não gostei do A Tarde. Os editores eram assessores do governo e eu não gostava disso. Passei um mês e pedi para sair. Trabalhei também no Jornal da Bahia, com João Santana Filho, que me ofereceu a primeira oportunidade como editor de esporte, aos 25 anos. Lá tinha muita liberdade, a ponto de incomodar os dirigentes. No Bahia Hoje, primeiro jornal informatizado de Salvador, eu também tinha independência. Foi um jornal que incomodou muito.

 DQEMEPG: Falando em jornalismo baiano, a que você atribui a crise no A Tarde?

PL: Acho que o A Tarde hesitou num momento em que poderia avançar. No momento em que trouxe Ricardo Noblat, em 2003; no momento em que lançou o A Tarde Esporte Clube; no momento em que ousou em várias capas em 2003; no momento em que produziu, com Roberto Albergaria, o Carnaval do Papão, que foi uma edição diferente, com pseudônimos, em que os jornalistas podiam exercer o dom da literatura e do escracho nos textos. Várias experiências que eram bem novas e bem positivas, no sentido de dar uma oxigenação ao centenário A Tarde. Estava tudo nas mãos, era só avançar. Mas hesitaram, achando que a liderança nunca seria perdida. Eu acredito que tenha sido uma grande vacilação. Estava tudo nas mãos para se fazer a grande virada, do próprio jornal se vencer, uma vez que ele disputava com ele mesmo. Era só se superar, ter a humildade de se ultrapassar. No entanto, me parece que ficou fixado nos valores antigos. Não teve a coragem de continuar. Ficou mais reticente. Então foi, claramente, problema de gestão editorial. Ou falta de gestão.

DQEMEPG: Você acha que a Tribuna da Bahia parou no tempo?

PL: A Tribuna tem uma marca tão forte pelo que ela contribuiu no tempo da resistência à Ditadura Militar e à ditadura local que até hoje é referência, difícil de morrer. Eu torço muito para que ela se reinvente.

DQEMEPG: O que você acha que falta ao jornalismo impresso, ao radiojornalismo e ao telejornalismo feitos na Bahia?

PL: Eu gostaria de ver mais experimentações. Vi um ex-aluno, Lucas Mascarenhas, na Band Bahia, fazendo umas matérias meio diferentes, acho que era uma videorreportagem. Em telejornalismo, eu não gosto da linguagem nem da apresentação do pessoal, cheio de gravatinha. Ainda tem essa pretensão da seriedade que eu não gosto. Mas estou dizendo como telespectador, não como estudioso de telejornalismo. Porque eu vejo no noticiário internacional os caras falando sem fazer barba, com a camisa, às vezes, abotoada de forma errada, mas dando informações ótimas, com texto leve. E eu vejo, em plano local, o pessoal todo engravatadinho, parecendo que vai para um casamento, com a linguagem toda quadrada e dizendo, às vezes, sempre as mesmas coisas. Como se a credibilidade passasse pela gravata. Não passa. A credibilidade passa pelo jeito que você fala igual às pessoas que estão te ouvindo. Isso explica, em parte, porque todo lugar que você for à Feira de São Joaquim, meio-dia, você vai se deparar com aqueles programas populares que usam a dramatização como principal recurso para atrair a audiência. Porque a galera gosta. A galera se vê nesses programas. Mas não curto esse jornalismo dramático, não. Ao contrário, abomino e tenho muita pena da sociedade baiana e brasileira. Pena de todos nós que estamos vivendo esse inferno de tanta violência, tanta insegurança e tanta injustiça. E, ao mesmo tempo, a forma midiática de representar isso é tão baixa, tão covarde e tão cheia de interesses que não tem nada a ver com os princípios do jornalismo. O radiojornalismo daqui está bem desnutrido. Acho que foi porque a gente ficou tanto tempo controlado por um grupo político hegemônico que tinha todas as mídias sob o seu controle, que se criou o hábito de fazer um jornalismo tacanho. Não vejo nada de radiojornalismo aqui. A não ser prestação de serviço e jornalismo cidadão. No impresso, eu gosto muito do que o Correio faz. Em termos de linguagem, de saque, de edição, de imaginação junto com notícia, de independência ou de saber lidar com a dependência, que é o mais importante e é um grande mérito. Vejo muitos progressos no A Tarde também, nessa tentativa de se reencontrar, se reinterpretar, rever o seu caminho. A abordagem esportiva dos dois jornais é melhor do que o que se fazia antes. E a Tribuna faz um jornalismo direitinho.

DQEMEPG: Você participou, em 2008, do processo de renovação do Correio, que resultou na liderança de mercado por parte do periódico no jornalismo impresso da Bahia. Como foi fazer parte desse momento histórico?

PL: Eu me dediquei a esse projeto com o se fosse o meu quinto filho. Minha dedicação foi profissional, porque curto formar novos jornalistas da editoria de esportes; e pessoal, porque adoro fazer jornal. Foi legal montar a editoria e muito sacrificante, porque no início tínhamos que editar dois jornais: o jornal velho, o Correio standard; e, ao mesmo tempo, editar um jornal novo, para ir se adaptando. Até que, em 27 de agosto de 2008, nós lançamos o primeiro número e só editamos o novo. Foi supergratificante participar dessa transformação do Correio. Foi uma felicidade para mim.

DQEMEPG: Segundo nota divulgada no Portal dos Jornalistas, em 8 de maio de 2012, a sua saída do Correio se deu por “divergências editoriais sobre maior popularização do jornal”. Isso procede?

PL: Sinceramente, eu não sei qual foi o motivo da minha saída; porque o motivo alegado, que tem a ver com um programa acadêmico que eu não gosto nem de dizer o nome, foi ridículo. Até agora eu quero entender direito. Se foi por causa de dinheiro, eu não ganhava isso tudo para dar uma baixa no cofre da firma. Também não quero mais saber, não. Eu estou em outra, lecionando e curtindo os meus alunos. Estou ganhando quatro vezes menos, mas estou tranquilo, com os pés no chão com as minhas coisinhas.

DQEMEPG: Você foi um dos idealizadores do programa Jornalismo de Futuro?

PL: O projeto inicial é meu. Eu escrevi o texto e mandei para os responsáveis. Eles formataram, mas sempre teve a minha participação e minha intermediação ativa. Tanto na negociação das ideias como das rotinas.

DQEMEPG: O que você acha de projetos dessa natureza, não especificamente o Jornalismo de Futuro, mas iniciativas que visam unir academia e mercado de trabalho?

PL: Eu ainda estou muito ressentido e magoado para ter uma opinião clara. Tudo que eu disser agora vai estar prejudicado pelo emocional. Se eu não tivesse com ressentimento, diria que são ótimos, porque conduzem o estudante de uma forma bem legal para o mercado, com a participação de professores e jornalistas compartilhando um mesmo ambiente da produção. Ou seja, pode ser que tenha a contribuição acadêmica das leituras, das críticas, das ponderações, da parte laboratorial que é bem interessante e diferente de fazer. Pode contribuir muito para melhorar o jornalismo. Se eu não tivesse prejudicado por minha raiva, eu diria isso. Mas como eu estou, diria que são uma merda.

DQEMEPG: Com raiva e sem raiva…

PL: É, com raiva eu odeio com todas as minhas forças. Sem raiva, acho de “f…”.

DQEMEPG: Mas você não acha que a sua raiva tem razão?

PL: Eu acho que tenho que ficar calado, já me dei mal, já caí, mas daqui a pouco eu vou levantar. E se segure, porque Xangô, que é um dos meus guias, não gosta de injustiça, não.

DQEMEPG: O Correio atual te agrada?

PL: Eu gosto. Levo para os meus alunos de jornalismo e literatura como ótimo exemplo de como se pode transitar bem entre o império dos fatos e o jardim da imaginação, como Rildo Cosson fala. A forma como o Correio apresenta as suas notícias é um caminho da literatura junto com o jornalismo. Aquele caminho que nós tínhamos no início, nos primeiros jornais, e que sonegamos depois. Rejeitamos por causa da pretensão de sermos jornalistas e não literatos, por isso tivemos que construir um perfil mais duro na linguagem. Acho que o Correio é um jornal que faz muito bem esse trânsito da imaginação com o fato. Eu gosto muito.

DQEMEPG: Você ganhou alguns prêmios ao longo da carreira que evidenciam o reconhecimento de seu trabalho. Isso te envaidece?

PL: Não na medida em que eu me torne uma pessoa pedante. Mesmo porque, são premiozinhos pontuais, que na época foram realmente importantes, mas hoje ninguém lembra mais. São mais lembranças para mim mesmo.

DQEMEPG: Alguns jornalistas trabalham pensando em prêmios e isso faz até com que eles ajam em desacordo com a ética profissional. Você acha que vale tudo pela notícia?

PL: Não. Tem que ter limite. Recorro a Platão: tem que ser justo, ordenado e harmonioso; não dar a ninguém algo que não é de seu mérito e nem tirar o mérito de alguém; tem que ter andreia (o dever acima do prazer), serenidade e conhecimento.

DQEMEPG: Você é mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e doutor em Cultura e Sociedade pela UFBA. A crônica cultural feita pelos jornais da Bahia é digna de aplausos ou precisa amadurecer?

PL: Sou doutor em cultura e sociedade, mas a minha tese é sobre a metamorfose das torcidas nas páginas esportivas. Meu objeto de pesquisa é torcida. Lamentavelmente, minha opinião vai ser bem superficial. Eu não gosto da forma como se idolatra a alta cultura ainda. Eu me incomodo com a tranquilidade com que o jornalista sacraliza e legitima alguns grupos e alguns cantores. A pegada pouco crítica em relação a gêneros. Muitas vezes, o jornalista cria uma absurda afinidade com determinado cantor ou artista e isso se reflete no seu trabalho, quando poderia ter mais distanciamento e um pouco mais de crítica. A gente também tem um olhar ainda muito frankfurtiano sobre a cultura que se produz nas periferias. Eu, por exemplo, sou muito condescendente com o que chamam de “pagodão baixo-astral”. A gente tem um olhar muito moralista sobre ele. Curti muito a temporada de 2009 da Black Style. Adorava. Ia à Madrre. Gostava mesmo. E não via nada demais. As meninas faziam bonde, curtiam todas juntas, iam até o chão. Acho que tinha um pouco de liberação ali. Uma coisa que o rock perdeu. Sou do tempo em que o rock era “sexo, droga e rock’n’roll”. A liberação sexual passou muito pelo rock. Hoje, acho que ela se deslocou para o pagode de periferia e para o funk, no entanto, o nosso olhar sobre essa cena parece o de um mosteiro da Idade Média. Então, me incomoda um pouco a reprodução desses arquétipos todos, desses estereótipos, que o jornalista deveria estar atento e crítico a eles, para poder mostrar outras possiblidades. Estão fazendo um jornalismo muito adestrado ainda. Acho que poderiam dar um pouco mais de espaço para outras manifestações artísticas. Eu sei que tem muita coisa de dança de rua acontecendo, até campeonatos, mas não vejo isso nos jornais. Vejo forró universitário em alta, todo dia praticamente. Essas bandinhas, sem qualidade nenhuma, têm muita visibilidade. Como os artistas da cena midiática internacional e de axé music, que é uma cena que me incomoda muito também. Gostaria de saber por que o reggae não tem o mesmo espaço ou mais do que os artistas da axé music? Já que está provado e demonstrado no nosso cotidiano de soteropolitano que todo mundo curte Edson GomesPonto de Equilíbrio, até esses reggaes comerciais, que eu nem gosto muito, Diamba e Adão Negro? Tem muita matéria para se fazer. Chega ao absurdo de termos festivais de reggae em Ipitanga, no kartódromo de Lauro de Freitas, com milhares de pessoas e não termos cobertura. Ou seja, atende a todos os princípios de noticiabilidade: inusitado, interesse, importância, atualidade e veracidade; e não tem nem uma linha, às vezes, nos jornais. Ao passo que qualquer Forró do Piu-Piu ou qualquer encontro de axé music têm muita mídia. Então, tem alguma coisa fora da ordem, que está impactando esse noticiário cultural e que tem a ver com o marketing cultural.

DQEMEPG: Mas você foi Secretário de Redação e o Correio tem muito disso, de não noticiar coisas muito diversas na área da cultura. Você não tinha autonomia para encaminhar os seus repórteres?

PL: Na verdade, sempre fui um secretário muito fraco. Fazia muito o que o meu diretor de redação (Sergio Costa) e o editor-executivo (Oscar Valporto) determinavam. Era muito mais obediência do que iniciativa. Então, talvez isso tenha contribuído para a minha saída. Não atendia bem ao cargo. Sabia também que se eu começasse a atuar, a dizer como eu queria, ia começar a desgastar e eu não gosto de grito. Eu preferia ficar na minha e fazer o meu feijão com arroz do que ficar impondo. Eu tentava: tinha um mecanismo diário, um e-mail, que eu distribuía na redação com as minhas impressões sobre a edição do dia, fazia crítica da redação todo dia, uma espécie de ombudsman diário. Eu pensava que, assim, podia dar uma contribuição. Mas jornalistas têm um ego superinflado, acham que já sabem tudo demais.

DQEMEPG: O que fazer para a Bahia não carregar sempre o estereótipo de um estado que só faz axé music e em que as pessoas dizem “ô, meu rei”?

PL: Tivemos um movimento bom nesse sentido nos anos 80, com a banda Camisa de Vênus, de Marcelo Nova. Ele tentou tirar a Bahia desse atraso miserável. Nos shows, ele dizia que não faria música para adestrar macaco, para mandar as pessoas pularem de um jeito ou de outro. Isso que se chama de cultura baiana pode ter sido algo armado para nos imobilizar. A apropriação dessa matéria-prima inusitada pela mídia e a representação que fizemos dela, com o apoio das campanhas institucionais de turismo da Bahiatursa, consolidaram essa percepção do baiano como ser atípico e inusitado. O pior é que nós somos também isso. Não é de todo falso dizer que somos excêntricos, diferenciados. Agora, como representamos essa diferença é outra coisa. Acho que poderíamos ser um pouco menos estereotipados, carregar menos no azeite. Colocamos muito dendê nessa nossa fervura. Por que não damos visibilidade à nossa cultura rica? Se dermos visibilidade de forma séria a isso, teremos outra Bahia representada.

DQEMEPG: Essa cena do teatro, da música e da dança da Bahia te agrada? A música feita na Bahia, não só axé music. O reggae e o rock, por exemplo.

PL: Sou um senhor de 48 anos, vivi a era da banda Camisa de Vênus e de Raul Seixas em Salvador e não aceito rock a partir de 1989. Acho que começou a não ser rock desde então. Pode ter a bateria que for, o pessoal pode ficar sem camisa com atitude, aparentemente, extravagante e rebelde; mas não tem mais alma. Talvez eu tenha ficado um pouco frankfurtiano demais, mas tudo que começa a ser muito divulgado acho que fica uma merda. Então, eu gosto de Edson Gomes, que detesta mídia; Sine Calmon, que não conseguiu se firmar por causa de problemas pessoais muito sérios; e uma banda desconhecida de Lencóis, que faz questão de não se divulgar, chamada Zion. E gosto do chamado “pagode baixo-astral”. Não de todos. Apenas, volto a dizer, da temporada de 2009 da Black Style. Gosto de Novos Baianos, tudo do Raul Seixas, menos de A maçãLua Bonita e Canto Para Minha Morte. Não gosto dos tropicalistas. Exceto Gil, pela postura contemplativa e por estar sempre disposto a conversar. Nos outros, vejo um oportunismo que não me agrada. Com todo o talento que eles possam ter.

DQEMEPG: Teatro?

PL: Vivi uma época muito legal na Escola de Teatro, que tinha o Grupo de Teatro Encruzilhada, um grupo de teatro de rua. Hoje, eu acho chato. Não gosto. Mas é um problema de quem gosta de futebol. O meu teatro é o futebol. Não tenho paciência nem para o infantil.

DQEMEPG: Para encerrar: você saiu do Correio, mas o Correio saiu de você?

PL: Sabe que não, né? Eu passei pelos jornais e tenho muito amor por todos eles. Correio foi o mais recente, então ainda está muito forte. Como se eu tivesse me separado em abril e não tenho outro amor agora. Só escrevo para mídias especializadas em esporte e voltei a lecionar. Mas quem é jornalista e se constrói como tal nas redações, desenvolve uma afinidade e paixão pelos veículos e pela produção que é impossível de esquecer. É como um amor mesmo. Uma relação que você perdeu.

DQEMEPG: Como toda relação, pode ficar mágoa ou não. Ficou mágoa?

PL: E é importante que fique. Como dizia Vinicius de Moraes, na canção Canto de Ossanha“O amor só é bom se doer”.

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