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O oba-oba da Casa do Carnaval

Equipamento cultural feito às pressas deixa a desejar em alguns aspectos
 

Fachada do prédio que abriga a Casa do Carnaval da Bahia, na Praça Ramos de Queiroz, Centro Histórico de Salvador. Foto: Raulino Júnior

O Carnaval de Salvador agora tem um espaço que abriga um pouco da sua história e criatividade: a Casa do Carnaval da Bahia. Localizado na Praça Ramos de Queiroz, no Pelourinho, ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, o museu foi inaugurado no dia 5 de fevereiro de 2018 e segue com visitação gratuita até o final do mês. Para isso, os interessados devem ligar para (71) 3324-6760 e agendar. O funcionamento é de terça a domingo, das 11h às 19h. Após o prazo de visitas gratuitas, quem quiser conhecer o lugar vai pagar R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia).

Foto: Raulino Júnior

Com curadoria geral de Gringo Cardia (contando com o auxílio de Paulo Miguez e Jonga Cunha), a Casa do Carnaval da Bahia surge pretensiosa, mas deixa a desejar em alguns aspectos. A começar pelo nome, que sugere abarcar a festa que acontece em toda a Bahia (Casa do Carnaval da Bahia), mas, no fundo, o conteúdo se restringe ao Carnaval de Salvador. Outra coisa que é muito fácil de constatar é a falta de uma maior atenção para os criadores do trio elétrico e da guitarra baiana, Dodô e Osmar. A referência presente no museu é muito pequena, diante da importância dos precursores. Os compositores, que são artistas fundamentais em todo o processo da festa, ficam à míngua. Por que o curador não foi alguém da Bahia, conhecedor dos nossos costumes e tradições? Nada contra Gringo, tudo a favor de uma história contada com o nosso olhar. Vale ressaltar que o equipamento cultural foi concebido em três meses. Então, pouco tempo para muita pesquisa que tinha de ser feita, não é?
Os vídeos exibidos na Casa são muito longos, o que torna a visita mais cansativa do que ir atrás do trio. Um parêntese: qual foi o critério de escolha dos narradores dos vídeos que são exibidos na exposição? Porque tem cada incoerência! Daniela Mercury narra o vídeo intitulado “O Carnaval afro” e Regina Casé narra dois: “Chamando gente” e “Cantores do Carnaval da Bahia” (em parceria com Margareth Menezes). Por que Regina Casé? Uma pesquisa no Google responde! Ela é amicíssima de Gringo! A interatividade proposta pelo curador é bem-vinda e está conectada com as demandas de hoje, mas será que, para quebrar a monotonia de um vídeo atrás do outro, não teria condições de contar com a participação de monitores bem informados para falar sobre a festa? Competência, certamente, não falta. Por que essa alternativa não foi pensada? Num museu que tem como temática o Carnaval, o que mais se espera é dinamismo, não é? Até a tentativa pensada para isso (a Sala Cinema Interativo – Vídeos de Dança), soa insossa e, o que se percebe, é que apostaram numa interação pela interação; vazia e sem um propósito substancial. Na sala, os visitantes são convidados “a viver a experiência” de estar no Carnaval de Salvador. Para isso, usam voluntariamente adereços carnavalescos e acompanham as “aulas de dança” que são apresentadas numa projeção. A ideia é aprender os passos e dançar junto (?). Perderam a chance de mostrar, por exemplo, as danças que surgiram naturalmente nas ruas, por causa do Carnaval, como a da galinha e muitas outras. Essa coisa ensaiadinha das danças foi uma invenção da indústria cultural e, mesmo sendo bem-sucedida, descaracterizou a naturalidade da nossa festa. Em entrevistas, Luiz Caldas sempre fala que a dança do fricote surgiu de uma cópia dos passos que um folião estava fazendo na rua, atrás do trio. É por aí.
Importância cultural

Teto e parede com arte de J. Cunha; homens de lata de Aloisio de Madre de Deus também integram o cenário. Foto: Raulino Júnior

Apesar de apostar num conceito que privilegia a superfície e não a base dessa potente manifestação popular, a importância cultural do museu é incontestável. Quem o visita, se depara com um universo carnavalesco muito rico e peculiar. Tudo foi pensado com capricho. Na entrada, tetos e paredes são cobertos por obras do artista plástico J. Cunha. Além disso, há uma instalação de homens de lata de Aloisio de Madre de Deus, do Bloco da Latinha. Ainda na primeira parte, uma máscara gigante da careta de Maragojipe, assinada por Memeu Barbudo, chama a atenção. Há também uma biblioteca, com livros que refletem sobre o Carnaval e seus personagens.

Máscara gigante da careta de Maragojipe, do artista Memeu Barbudo. Foto: Raulino Júnior

Biblioteca focada no Carnaval: estímulo à leitura. Foto: Raulino Júnior

A exposição é formada por três salas: a primeira, denominada Origens do Carnaval; a segunda, Criatividade e Ritmos do Carnaval e a terceira, já citada aqui, Sala Cinema Interativo. O visitante começa a imersão na Sala Origens do Carnaval. Lá, assiste a vídeos narrados por expoentes da festa, como Gerônimo (Origens do Carnaval da Bahia), Márcia Short (Carnaval das elites nos salões e nas ruas), Mariene de Castro (Celebrando o samba), Márcio Victor (A Praça Castro Alves) e Alberto Pitta (Afoxés do século XIX). Miniaturas de personagens do Carnaval (ambulantes, artistas, foliões), feitas pela artesã Cibele Sales, estão por toda a parte da sala.

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Sala Origens do Carnaval. Foto: Raulino Júnior

Na Sala Criatividade e Ritmos do Carnaval, os vídeos são narrados por Carla Visi (O visual do Carnaval), Daniela Mercury (O Carnaval afro), Regina Casé (Chamando gente), Luiz Caldas (A mistura de ritmos no Carnaval da Bahia), Margareth Menezes (O tambor e a guitarra do Carnaval da Bahia), Claudia Leitte (Blocos de trio), Ivete Sangalo (O samba e o pagode no Carnaval da Bahia), entre outros.

Um dos figurinos de Carlinhos Brown. Foto: Raulino Júnior

Fantasias dos blocos de matriz africana. Foto: Raulino Júnior

O vídeo narrado por Caetano VelosoCantoras do Carnaval de Salvador, é reproduzido sem que o áudio do artista saia. Segundo um monitor do museu, o santoamarense não autorizou o uso de nenhum de seus áudios, incluindo os de entrevistas antigas sobre o Carnaval e os de músicas. Alguma pendenga judicial. Na sala em questão, o visitante vê alguns figurinos doados pelos artistas que fazem e fizeram o Carnaval acontecer, as fantasias dos blocos de matriz africana e uma instalação no teto, feita com tambores, um dos símbolos da festa. Visualmente, a exposição mata a pau.

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