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Livro infantojuvenil sobre Pedra de Xangô reforça diversidade das culturas africanas e estimula a salvaguarda do patrimônio cultural tombado em 2017

Obra é lançada em homenagem aos três anos de tombamento do monumento histórico localizado em Cajazeiras X

Pedra de Xangô em história voltada para o público infantojuvenil. Ilustração da capa: Dayse Ellen Gomes de Moura

Por Raulino Júnior

Em 4 de maio de 2017, depois de 12 anos de luta da sociedade civil organizada, das comunidades de terreiro e de pesquisadores dos direitos dos povos afro-brasileiros, o monumento histórico Pedra de Xangô foi tombado pela Prefeitura Municipal de Salvador, através da Fundação Gregório de Mattos. Isso significa que a Pedra, além de toda a sua importância para a história e cultura religiosa da cidade, se tornou oficialmente um bem cultural e está inscrita no livro do Tombamento dos Bens Imóveis e Sítios, assegurado pela Lei 8.550/2014, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do município de Salvador. Hoje, exatamente após três anos da solenidade de tombamento e como uma forma de homenagear tal conquista, os escritores Maria Alice Silva e Walter Passos lançam o livro infantojuvenil “Pedra de Nzazi, Xangô e Sogbo?”. Em tempos de distanciamento social, devido à pandemia do novo coronavírus, a estratégia de lançamento vai contar com a ajuda dos recursos tecnológicos. O livro, que tem prefácio de Everaldo Duarte (Agbagigan do Terreiro do Bogum) e ilustração de Dayse Ellen Gomes de Moura, será lançado nas redes sociais digitais, nos seguintes perfis: @pedra.de.xango@malice.advogada@walterpassos21@daysegomis (Instagram); e nas páginas do Facebook da Pedra de Xangô, da Conversa de Preto e de Negras Raízes. Inclusive, a criação da obra, escrita numa tarde de domingo, especificamente no dia 26/4/2020, foi feita com intermediação tecnológica: os autores produziram através de trocas de mensagens pelo WhatsApp, em apenas duas horas. O livro estará disponível para qualquer pessoa que queira ler. No futuro, Walter e Maria Alice estudam uma maneira de comercializá-lo. “Trata-se de um projeto piloto, produção independente e estamos estudando a melhor forma de como colocá-lo no mercado. Há todo um trabalho intelectual e tempo que gastamos nessa produção”, explica a escritora. Na entrevista a seguir, feita por e-mail, os autores contam detalhes da produção do livro, opinam sobre a importância de registrar a história da Pedra de Xangô para o público infantojuvenil e falam como professores podem se apropriar da obra.
Maria Alice Silva é advogada, fez mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFBA (PPGAU/UFBA) e, atualmente, é doutoranda no mesmo programa. Além disso, é especialista em Direito do Estado, Direito Civil e Processual Civil, militante no enfrentamento ao racismo e na promoção da igualdade racial no Estado da Bahia.

Foto: Mônica Silveira

Desde que eu me entendo por gente: Como nasceu a ideia do livro “Pedra de Nzazi, Xangô e Sogbo?” e por que a escolha de direcionar para o público infantojuvenil?
Maria Alice Silva: A ideia de escrever o livro voltada para o público infantojuvenil surgiu em novembro de 2019. Depois de muito relutar, aceitei o convite de uma professora da Escola Municipal Manoel Clemente Ferreira, em Vila Canária, para fazer uma palestra sobre a Pedra de Xangô para 200 alunos na faixa etária de 7 a 12 anos, no dia 20 de novembro, em homenagem ao mês da Consciência Negra. De imediato, recusei o convite, por dois motivos: I – Eu não sabia como introduzir o tema. Nunca fiz palestra para alunos nessa faixa etária e acreditava que não conseguiria prender a atenção dos estudantes por muito tempo; II – A maioria das escolas só pautam a questão em novembro, mês da Consciência Negra. Mas a professora insistiu muito e acabei aceitando o convite. A minha estratégia foi solicitar ajuda a um amigo pedagogo e assistente social, que me deu algumas dicas de como introduzir o tema; e um outro amigo psicólogo, especialista em psicologia ambiental, que convidei para dividir a palestra comigo. Ele introduziu o bate-papo contando a história de Janaína, uma menina negra, inteligente, que lutava contra o racismo ecológico em sua comunidade. Em seguida, foi a minha vez, iniciei a roda de conversa com a apresentação da música que fiz sobre a Pedra de Xangô. Para prender a atenção dos alunos, coloquei pedras de várias texturas, tamanhos e cores no centro do salão e solicitei que algumas crianças escolhessem uma pedra para falar sobre a importância de cada uma delas no seu cotidiano. Os relatos foram incríveis, cada um mais lindo que o outro. Houve quem dissesse que as britas serviam para fazer os alicerces das casas, que a pedra de cristal verde servia para embelezar a vida e as mulheres, através dos colares, brincos e anéis. Iniciei a apresentação falando sobre a importância histórica, cultural, ambiental e geológica do monumento rochoso para a cidade de Salvador e encerrei com o teaser do filme O grito que entrou nos meus sonhos, que trata da história da Pedra de Xangô. Todos ficaram emocionados com a apresentação. Solicitei que um estudante se candidatasse a resumir o que entendeu sobre o tema. Uma aluna se candidatou a fazer o resumo. Iniciou falando que estava feliz em saber que a Pedra de Xangô foi abrigo de negros escravizados, que é uma área remanescente de quilombos e de proteção ambiental, e que todas as pessoas deviam ajudar a proteger o lugar. O contentamento e sentimento de pertencimento dos alunos eram tanto, que alguns deles retornaram à sala de aula, pegaram seus cadernos e voltaram para falar comigo. Queriam autógrafos. Fizeram uma fila e esperaram pacientemente a sua vez. Uma aluna declarou: “Esse autógrafo vou guardar para o resto da minha vida”. Estive em vários lugares para falar sobre a Pedra de Xangô, inclusive em Harvard, mas confesso que a experiência com os alunos da Escola Manoel Clemente Ferreira foi única.
Desde: No portal Pedra de Xangô, do qual você é idealizadora, há um texto em que afirma que “…toda vez que mencionarmos Pedra de Xangô, entenda-se Pedra de Xangô, Nzazi, Sogbo, do Buraco do Tatu, da Onça e do Ramalho…”. Isso significa que não há diferença entre nenhuma dessas menções? 
MAS: Nzazi, Xangô ou Sogbo, no universo das religiões afro-brasileiras, são a mesma figura. O que faz mudar o nome é a origem do terreiro, se é da nação Angola, Ketu, Jeje ou Umbanda. Quanto aos outros nomes dado à Pedra, existem muitos enredos. Optamos por respeitar a posição de todos. É necessário não só atiçar a curiosidade, mas também esclarecer ao público infanto-juvenil porque a Pedra de Xangô tem vários nomes. Há um senhor que batizou a Pedra com o nome dele, Pedra do Ramalho. Há quem diga que o nome da Pedra é Pedra da Onça, porque duas onças moravam em cima da pedra. É muito enredo. Enfim, Pedra de Xangô é enredo, é rede, é de todo mundo, é patrimônio cultural da cidade de Salvador.
Desde: Quanto tempo demorou para terminar o livro e deixá-lo com uma linguagem convidativa para o público a que se destina? E qual abordagem ele traz?
MAS: A história é curta. Levamos, aproximadamente, duas horas construindo a narrativa. Introduzimos o tema Pedra de Xangô a partir da pergunta: Pedra de Xangô, Nzazi ou Sogbo? A história possui cinco personagens. Subliminarmente, trabalhamos com a autoestima dos jovens, pois todos os personagens são negros empoderados e bem-sucedidos na vida. Não tem história de fracassados. Nossos ancestrais foram reis e rainhas e precisamos resgatar essa memória. Nesta primeira história, buscamos responder a pergunta: qual o nome da Pedra e a quem pertence?
Desde: No ano passado, você lançou o livro Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador, um desdobramento da sua dissertação de mestrado, defendida em 2017, no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFBA (PPGAU/UFBA). Hoje, lança outro, em parceria com Walter Passos. Como foi esse processo de escrita em dupla? E quem convidou quem para a parceria?
MAS: Existe um movimento em defesa da Pedra de Xangô, o qual batizei de Pedra de Xangô é enredo, é rede. Por que esse lema? Porque muito atores atuaram e atuam para preservar o monumento sagrado Pedra de Xangô, Walter Passos é um deles. Em 2016, ele aceitou o meu convite para participar da produção da emenda parlamentar encaminhada à Câmara de Vereadores do Município de Salvador propondo a criação da Unidade de Conservação APA Municipal Vale do Assis Valente e Parque em Rede Pedra de Xangô, quando da elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), de 2016. Walter é historiador, poeta e foi uma das primeiras pessoas a escrever um livro sobre quilombos na Bahia. Sempre que necessito, o consulto. Em uma das minhas últimas consultas, em 26/04/2020, falei do meu desejo de escrever sobre a Pedra de Xangô para o público infanto-juvenil. Ali, nascia o convite e começamos mais um enredo. A história foi construída no mesmo dia, remotamente, através de mensagem de WhatsApp. Eu e Walter Passos somos muito ocupados. Assim, estipulamos escrever na tarde daquele domingo, entre às 14 e 18h, o único tempo que teríamos disponível. Levamos, aproximadamente, duas horas construindo a narrativa.

Pedra de Xangô: monumento afro-religioso tombado em 2017 pela Prefeitura de Salvador. Foto: Mônica Silveira

Desde: A sua dissertação de mestrado subsidiou a criação da APA Municipal Assis Valente, o Parque em Rede Pedra de Xangô e foi um instrumento fundamental para o tombamento da Pedra de Xangô como Patrimônio Cultural de Salvador, em 2017. Num trecho da pesquisa, você afirma: “A religião afro-brasileira tem como princípio cultuar e reverenciar a natureza. O respeito a cada elemento animal, vegetal e mineral é direcionado com a mesma intensidade e devoção com que outras religiões devotam aos seus signos de fé. Se a hóstia é o corpo de Cristo, a Pedra de Xangô é uma fração do corpo dos orixás, voduns, inquices e caboclos”. O que os governantes devem fazer para preservar esse e monumento histórico e mantê-lo relevante para toda a cidade, e não só para o povo de santo?
MAS: Em visita de campo à Pedra de Xangô, em 8 de novembro de 2014, constatei a ocorrência de um fato criminoso: duzentos quilos de sal de cozinha e vários sacos plásticos foram colocados na base da pedra sagrada e no seu entorno. Registrei o ocorrido e encaminhei as imagens para várias lideranças e associações religiosas que solicitaram aos órgãos públicos a adoção das medidas judiciais cabíveis. A agressão sofrida pela Pedra de Xangô repercutiu nacionalmente. Notícias foram veiculadas na imprensa escrita e falada, e um relatório foi encaminhado ao Ministério da Justiça solicitando providências. No dia 12 de novembro de 2014, as Comunidades de Terreiro realizaram um ato de desagravo. O evento atraiu redes de televisão, jornais e contou com a presença de autoridades públicas, a exemplo do então titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (SEPROMI). Na oportunidade, ele convocou uma reunião para o dia 14 de novembro, com os representantes dos poderes públicos estaduais, municipais e sociedade civil. Os representantes compareceram à reunião e nascia ali a proposta de se criar um Fórum Permanente em Defesa da Pedra de Xangô, com a participação do Estado, Município, União e Sociedade Civil. Uma das primeiras ações foi a realização da aula pública Pedra de Xangô – Nzazi – Sogbo: território sagrado, no projeto História e memória da população afro-brasileira, promovida pela Fundação Pedro Calmon e pelo Centro de Memória da Bahia, em 3 de dezembro de 2014, atendendo ao que preceitua a Lei Federal 10.639/2003. A aula foi ministrada por mim, lá na Pedra de Xangô, para os alunos da rede estadual de ensino. Penso, salvo melhor juízo, que os governantes não devem apenas investir em ações pontuais, é dar efetividade às normas vigentes, transversalizando as ações, tutelando de fato as demandas dos povos e comunidades tradicionais. Como bem dissera Mário Theodoro, no livro As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ou vamos encarar a questão racial mediante o debate franco e aberto, verificando a ausência do poder público e o que precisa ser feito para mudar essa realidade. As secretarias de educação do município e do estado devem introduzir no conteúdo programático das escolas o tema patrimônio cultural afro-brasileiro. A palavra patrimônio, no seu sentido figurado, significa herança comum, transmitida de uma geração para outra, com valor e importância reconhecidos, que deve ser protegido e preservado. No livro Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador, defendo que o patrimônio é uma construção social, política, econômica, que requer a participação de todos. A atuação isolada dos atores ou entes federativos (Município, Estado, União) não é suficiente para atender à complexidade do que é preservar um bem cultural. Faz-se necessário que os órgãos revejam as metodologias aplicadas, a fim de dirimir as sobreposições e as crescentes situações de conflitos, e passem a atuar em rede.
Desde: O que espera que as crianças e adolescentes compreendam sobre a importância histórica e cultural da Pedra de Xangô quando finalizarem a leitura do livro?

MAS: Em tudo na vida, temos que ter estratégia. Precisamos pensar a curto, médio e longo prazo. Muito me preocupa os constantes atos de Intolerância religiosa cometidos contra a Pedra de Xangô. Quando o parque estiver pronto, qual será a reação dos moradores de Cajazeiras? Eles estão prontos para receber um parque temático? Já querem mudar o nome do parque. Pensando nisso, optei por também, trabalhar com o público infanto-juvenil, compreender o seu universo e envolvê-los na salvaguarda do patrimônio cultural Pedra de Xangô. Você só preserva o que conhece. Os adultos normalmente são endurecidos, resistentes a qualquer mudança no seu modo de viver e pensar. A ação tática para transformações está no preparo dos futuros guardiões da Pedra de Xangô. Esses, sim, estarão com toda a força para modificar a forma de pensar calcificada, mantenedora da falta de respeito à diversidade religiosa. A proposta é que cada criança, independentemente do credo de seus pais, entenda que a Pedra de Xangô é um patrimônio cultural, ambiental e geológico da cidade de Salvador. Ancestralidade é identidade, é raiz, é a continuidade da existência através dos descendentes. O maior exemplo de respeito aos antepassados é preservar a sua memória. O nome que não é esquecido não morre, viverá sempre. A publicação do livro “Pedra de Nzazi, Xangô ou Sogbo? tem esse objetivo de contribuir para que as futuras gerações tenham a oportunidade de conhecer, vivenciar e preservar as histórias dos seus ancestrais.

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Parque Pedra de Xangô. Lugar do sagrado – centro de reverência; lugar da ciência – centro de referência; lugar de resistência – encruzilhada religiosa, política e comunitária do povo de terreiro de Salvador. Parque Pedra de Xangô, uma construção coletiva e cidadã que deu certo. Poder público, comunidade e ciência trabalhando juntos na implantação do primeiro parque a levar o nome de um orixá no Brasil, Parque Pedra de Xangô. Parabéns ao tripé. Inaugurando uma nova era de se implantar políticas públicas em Salvador, por isso, Pedra de Xangô é enredo, é rede. (Maria Alice).
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Walter Passos é teólogo, historiador, poeta, afrocentrista e pan-africanista. É formado em História há 39 anos e ordenado pastor há 35, pela Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. Faz parte da coordenação do Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos e, após a pandemia, com mais dois pastores, inaugurará a Igreja Metodista Episcopal Africana, no bairro da Liberdade, em Salvador.

Foto: Walter Mauro

Desde que eu me entendo por gente: Além de historiador e poeta, você é formado em Teologia e é pastor. Como foi se distanciar do aspecto religioso e se deter ao histórico na escrita do livro? Houve esse distanciamento ou algum conflito no processo de produção?
Walter Passos: Sou afrocêntrico, pan-africanista com tendência garveysta. Sendo assim, defendo que todas as culturas dos africanos no continente e na diáspora devem ser respeitadas. Não tive nenhum problema em escrever o livro, senti-me privilegiado juntamente com Maria Alice. Muitos evangélicos e católicos amam Thor, um deus inimigo e maior rival de Yahushua no cristianismo europeu. Compram livros infantis, brinquedos, jogos para os filhos e os acompanham ao cinema para assistir ao filme. Sorriem quando as criancinhas dizem que estão com o poder do martelo de Thor. Quando se fala em qualquer personagem africana, eles o demonizam. Thor é conhecido por ser Deus do Trovão. Nzazi, Sangò e Sogbo são conhecidos por dominarem os raios e os trovões, entre outros atributos, e os evangélicos e os católicos o consideram ruim, por ser africano. Não houve nenhum conflito da minha parte. O desrespeito às religiões de matrizes africanas pelo cristianismo eurocêntrico é consequência do racismo contra tudo que é africano. Eu sou praticante do mais antigo cristianismo, o de Matriz Africana.
Desde: A obra é voltada para o público infantojuvenil. Qual foi o principal desafio em abordar o conteúdo histórico acerca da Pedra de Xangô com uma linguagem que dialogasse com esse público?
WP: Eu escrevo contos infantis há muito tempo. Comecei criando histórias para os meus filhos, diante da dificuldade à época de encontrarmos materiais didáticos adequados para crianças pretas. Hoje, tenho quatro netos e nenhuma dificuldade de dialogar com o público infantojuvenil. Lecionei muito tempo com as quintas séries no Colégio Estadual Tereza Conceição Menezes, no bairro do Curuzu, e de 1992 a 1994 fundamos o Centro Educacional Quilombo, no bairro na Liberdade, proporcionando, com recurso próprios, alfabetização gratuita para crianças. Como se pode ver, acredito ter intensa vivência e aprendizados com esse público.
Desde: Como foi esse processo de escrita em dupla? Você é autor de outros livros? Quais?
WP: Maria Alice havia me pedido a composição de uma poesia para ser recitada no dia 4 de maio por uma criança. Demorei um pouco a rabiscar e, após alguns dias conversando sobre a poesia, propus a ela que escrevêssemos uma história infantil. Ela aceitou e com tranquilidade rabiscamos o conto. Tenho uma interação muito forte com ela, o trabalho fluiu prazerosamente. Escrevi alguns livros: Teologia NegraAfro-Reflexões e Perfume de Melanina. Também publiquei a primeira pesquisa sobre quilombos no estado da Bahia, compilando-a no livro Bahia: Terra de Quilombos, ainda no início da década de 90. A partir do conhecimento desse meu livro, originaram-se as mais diversas pesquisas e programas de pós-graduação stricto sensu sobre quilombos no estado.
Desde: Qual a importância de uma obra dessa natureza para a sociedade atual?
WP: A Pedra de Nzazi, Sangò e Sogbo vem contribuir preenchendo uma lacuna nos livros infantis africanos na sociedade brasileira. Vivemos dias difíceis, com falta de respeitabilidade com tudo o que é africano no Brasil, especialmente as religiões de matrizes africanas, as quais sofrem ataques diretos da mídia e instituições cristãs, além do descaso dos governantes e a falta de conhecimento das maravilhosas cosmogonias oriundas da África.
Desde: O que espera que as crianças e adolescentes compreendam sobre a importância histórica e cultural da Pedra de Xangô quando finalizarem a leitura do livro?
WP: Nossas crianças africanas em diáspora não possuem monumentos de suas ancestralidades, toda a informação perpassada é da ancestralidade eurocêntrica: nomes de ruas, logradouros, praças, bairros, datas festivas, escolas, inclusive os seus próprios nomes e sobrenomes. No livro, mostramos a diversidade de algumas das culturas africanas prisioneiras de guerras e sequestradas para o Brasil: Golfo de Benin (Jejes, Ketus, Ijesas), do grupo étnico-linguístico Bantu (Kongo e Angola) com suas diversas culturas e dos nativos brasileiros, os quais também foram escravizados pelos europeus. Após a leitura das crianças, dos jovens e dos adultos, com certeza, todos ficarão orgulhos da ancestralidade das culturas que perseveram Nzazi, Sangò e Sogbo, representantes da justiça que tanto carecem o povo africano no Brasil e os nativos (indígenas), e protegerão a pedra como um patrimônio de resistência de todos os africanos no Brasil.
Desde: Como, na sua opinião, os professores poderão se apropriar do livro para usar como recurso pedagógico nas aulas, garantindo assim a implementação da Lei 10.639/2003?

WP: Os(As) professores(as) poderão fazer uma leitura transversal da história. No livro, se trabalha a língua portuguesa, a geografia, a história, a educação física, o teatro, as línguas africanas, as ciências naturais, as artes, as religiões, a matemática e todas as matérias. É uma oportunidade para os(as) professores(as) trabalharem a diversidade cultural brasileira contida no livro sobre as nações africanas e indígenas de uma forma ancestral e contundente.

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Agradecimentos especiais ao autores, pela disponibilidade, confiança e atenção; e ao jornalista Tiago Bittencourt, pela sugestão da pauta.
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