Cultura, Jornalismo Cultural, Sem Edição, Sem Edição - Da Boca pra Fora

Sem Edição| Paz, Justiça e Instituições Eficazes ⇨ Série “Da Boca pra Fora”

Por Raulino Júnior 

A série Sem Edição – Da Boca pra Fora, que integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog Desde que eu me entendo por gente, reflete sobre dez dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Agenda 2030.

Neste décimo e último vídeo, o jornalista e professor Raulino Júnior limita-se a falar sobre as metas da ONU para o objetivo em destaque. Nesse sentido, fala da promoção de sociedades pacíficas e inclusivas, da redução da violência e da mortalidade, da corrupção e do suborno, enfatiza o papel da imprensa no cumprimento das ações propostas pela ONU e reforça a importância de judicializar as violências sofridas. Não deixe de ver!

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou um plano de ação para “pôr o mundo em um caminho sustentável”. O plano resultou na Agenda 2030, que é uma “lista de tarefas para todas as pessoas, em todas as partes, a serem cumpridas até 2030”. Essas tarefas têm como objetivo “erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade”. A Agenda 2030 tem um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)1. Erradicação da Pobreza2. Fome Zero e Agricultura Sustentável3. Saúde e Bem-Estar4. Educação de Qualidade5. Igualdade de Gênero6. Água Potável e Saneamento7. Energia Limpa e Acessível8. Trabalho Decente e Crescimento Econômico9. Indústria, Inovação e Infraestrutura10. Redução das Desigualdades11. Cidades e Comunidades Sustentáveis12. Consumo e Produção Responsáveis13. Ação Contra a Mudança Global do Clima14. Vida na Água15. Vida Terrestre16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes17. Parcerias e Meios de Implementação.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha

Em Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire convida o leitor a se olhar no espelho

     Livro foi lançado em 1968 e é considerado o mais famoso do educador pernambucano

Imagem: reprodução do site Martins Fontes Paulista

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Para encerrar a série 2021: Paulo Freire é 100!, que teve como objetivo fazer resenhas e refletir sobre algumas obras do educador pernambucano, o destaque vai para o livro Pedagogia do Oprimido, lançado em 1968, quando Freire estava exilado no Chile. É uma das obras mais conhecidas do autor e leitura recomendada em cursos de licenciatura do Brasil e do exterior. Nela, Paulo Freire faz uma analogia entre a sociedade que está fora da escola e a que faz parte do cotidiano escolar, enfatizando os papéis de cada pessoa nesse universo. Nesse sentido, mostra como o oprimido e o opressor estão, a todo tempo, num campo de disputa e como um assume o lugar do outro, a depender das circunstâncias.
No 1º capítulo, Justificativa da Pedagogia do Oprimido, Freire fala das contradições entre opressores e oprimidos e mostra como o opressor passa a ser oprimido e como o oprimido passa a ser opressor. Chega a dizer que os oprimidos hospedam o opressor em si. Isso, infelizmente, está presente nas relações sociais, dentro e fora da escola. Alguns professores reproduzem opressões que sofreram e os estudantes, por sua vez, tomam aquilo como uma manifestação de poder e, de vítimas da opressão, passam a oprimir. Tal fato pode acontecer de imediato, no presente, ou no futuro, já na vida profissional. Assim, há uma infinita permanência da opressão. “O  ‘homem novo’, em tal caso, para os oprimidos, não é o homem a nascer da superação da contradição, com a transformação da velha situação concreta opressora, que cede seu lugar a uma nova, de libertação. Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores de outros. A sua visão do homem novo é uma visão individualista. A sua aderência ao opressor não lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe oprimida”, p. 18.
Na publicação, Freire fala do opressor, mas a sua investigação é no papel do oprimido. Fica evidente a chamada de atenção do Patrono da Educação Brasileira para esse agente, vítima e algoz no processo de relação humana. “Há, por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de ‘classe média’, cujo anseio é serem iguais ao ‘homem ilustre’ da chamada classe ‘superior'”, p. 28.
Numa parte do capítulo, Paulo Freire diz que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Significa que, para superar os problemas, sociais e escolares, deve haver cumplicidade, ajuda mútua. O oprimido só se reconhece como tal quando existe um opressor. “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua ‘conivência’ com o regime opressor”, p. 29. Ou seja, o problema deve ser identificado e reconhecido. Só assim, uma intervenção pode ser pensada.
O capítulo 2, A Concepção Bancária da Educação como Instrumento da Opressão, é uma análise crítica de Freire sobre as práticas pedagógicas muito comuns nas escolas brasileiras. O desafio ainda é superá-las. O educador mostra como essas práticas perpetuam a opressão, pois são punitivas, e fazem parecer que só o professor sabe; o estudante é visto como um ser vazio, sem conhecimento. “Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro”, p. 33. É a prática de depositar, guardar e arquivar os conhecimentos.
O ideal, de acordo com Freire, é pensar numa escola em que os educadores sejam humanistas (e pratiquem uma educação problematizadora), em detrimento do educador bancário. Nesse cenário, o educador passa a educando e o educando a educador. Há uma troca de conhecimento, superando a dicotomia “sabe/não sabe” para “todos sabem”.
A dialogicidade – Essência da Educação como Prática da Liberdade é o título do capítulo 3. Nele, Freire destaca a importância do diálogo na prática pedagógica e na emancipação do ser. A educação libertadora pressupõe o diálogo, porque mostra como o educador e o educando podem contribuir para a a produção do conhecimento de forma conjunta. “A autossuficiência é incompatível com o diálogo”, p. 46. A educação dialógica se faz em rede. “O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não ‘bancária’, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros”, p. 69. Ou seja, não há espaço para sabichões de rodapé de livros, que acham que são os donos da verdade e, como isso, oprimem as pessoas.
No último capítulo, A Teoria da Ação Antidialógica, Freire retoma muito do que foi discutido nos capítulos anteriores. Só que aqui ele dá as coordenadas para uma práxis libertadora. “Na práxis revolucionária há uma unidade, em que a liderança – sem que isto signifique diminuição de sua responsabilidade coordenadora e, em certos momentos, diretora – não pode ter nas massas oprimidas o objeto de sua posse”. p 71. A revolução exige o diálogo. Não existe revolução com imposição. “A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais revolução será”, p. 72. Isso não pode ficar só no discurso. Freire afirma que tem que ter uma prática. A teroia antidialógica é opressora, de dominação. Já a dialógica é libertadora e revolucionária. A primeira manipula; a segunda, convida para pensar junto. Paulo Freire afirma que “a manipulação, na teoria da ação antidialógica, tal como a conquista a que serve, tem de anestesiar as massas populares para que não pensem”. A educação não pode prescindir deste objetivo: fazer as pessoas pensarem.
O pernambucano fala também sobre invasão cultural, que caracteriza como sendo “a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão”, p. 86. Uma discussão sempre relevante. Principalmente, se a gente considerar o contexto da escola. Nessa seara, dá para discutir racismo, sexismo, etarismo, feminismo, homofobia e tantos outros temas que devem estar na sala de aula.
Pedagogia do Oprimido é uma obra que faz a gente se olhar no espelho. É, muitas vezes, doloroso, mas tem que ser feito.
Referência:
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
Cultura, Jornalismo Cultural, Sem Edição

Sem Edição| Salete Maria da Silva, Assédio Moral na UFBA, Feminismos e Literatura de Cordel

Salete Maria da Silva: “O assédio moral é um uso exacerbado do poder”. Foto: Felipe Fernandes

Por Raulino Júnior 

Salete Maria da Silva se formou em Direito, na Universidade Regional do Cariri (URCA), tem mestrado em Direito, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e é doutora em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/UFBA). É docente do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA (FFCH/UFBA), cordelista feminista e compositora. É uma das coordenadoras do JUSFEMINA, grupo de pesquisa e ação em gênero, direito e políticas para a igualdade.

Na primeira parte da entrevista exclusiva que concedeu para o Sem Edição, conteúdo audiovisual do Desde, a professora fala sobre a pesquisa que vem desenvolvendo na UFBA acerca de assédio moral. Ela traz dados, comenta casos e caracteriza a prática: “É um exercício do autoritarismo”.  Para saber mais sobre o estudo, as pessoas interessadas podem entrar em contato pelos e-mails salete.maria@ufba.br e salete.maria.silva@gmail.com. Além de trazer o assédio moral para o centro do debate, a professora reflete sobre a presença de mulheres no universo da Literatura de Cordel. Ela foi considerada a autora que escreveu o primeiro cordel feminista da história do Brasil. Foi produzido em 1994. Durante o bate-papo, Salete aborda também os feminismos.

Na segunda parte, a professora fala sobre feminismo raiz, feminismo hegemônico e como ela começou a lutar pela causa, comenta sobre as eleições na Ordem dos Advogados do Brasil -Seção Bahia (OAB-BA) e diz como é feita a gestão de pessoas no JUSFEMINA. Não deixe de ver!

Agradecimentos mais que especiais a Salete Maria da Silva! Obrigado pela confiança e disponibilidade, Salete! Mais sucesso! Estendo os agradecimentos ao professor Felipe Fernandes, que ajudou na produção e fez as fotos da entrevista. Muito obrigado!

OBSERVAÇÃO: por causa de um problema técnico, a entrevista foi interrompida. Desde já, pedimos desculpas pelo inconveniente.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
Cultura, DEZde, Jornalismo Cultural, Texto de Quinta

A Bolha da Lacração: pessoas que usam “É sobre isso” e “Paz” como argumento e querem controlar como os outros administram as próprias redes sociais

  Se não for pra lacrar eu nem saio de casa/ Olha, aê/Olha, aê*

Por Raulino Júnior ||Texto de Quinta|| 
Este texto é um diálogo com um artigo de Djamila Ribeiro, publicado no site do jornal Folha de S. Paulo, em 4 de fevereiro de 2021, e intitulado Pessoas mimadas não respeitam quem veio antes em tempos de debates rasos. Nele, a filósofa, professora e escritora chama a atenção para a importância da escuta. Principalmente, o ato de escutar quem é mais velho ou mais experiente no assunto vida (ou quaisquer outros assuntos!). Djamila narra fatos de sua trajetória, mostrando como escutar foi importante para o seu crescimento e critica “uma galera mimada, que não respeita quem veio antes ou adere a um anti-intelectualismo absurdo que não passa das três linhas de Twitter”. No desfecho, traz, na minha opinião, a alma do artigo, quando diz: “Pessoas que não limpam os pés e pedem licença antes de entrar na casa dos outros; acreditam que um post de Instagram dá conta de responder a tudo. Pessoas com 20, 30 anos, e com todas as certezas do mundo, não escutam, agridem, se ofendem se é dito que precisam estudar. Que, sem ler ou conhecer os conceitos mobilizados para a escrita de um livro, julgam que dizer ‘esse livro é uma bosta’ é crítica. Ou que xingar a pessoa de ‘chata, boba e feia’ é argumento. Maldita doxa, diriam os gregos. É a morte do pensamento crítico, do respeito e da falta de humildade para ouvir uns puxões de orelha”.

Concordo com Djamila, embora ache que devemos ter cuidado para não tratar a questão com um viés maniqueísta, caindo no “é melhor”, “é pior”, “é bom”, “é mau”, mas tem, de fato, uma geração que reclama de tudo, que vive patrulhando a vida alheia, que nada está bom e que nada faz para mudar. O lugar dessa geração é o de reclamar. Só e somente só. Se sentem donos de todas as razões, apontam as bolhas e não percebem que eles próprios vivem na Bolha da Lacração. Se acham os maiorais no jardim das ilusões. Não erram! São os mais antenados! Perfeitos! Não têm defeitos! São um poço de simpatia! Sabem viver em comunidade e, quem não segue o padrão estabelecido por eles, é tachado de esquentado, problemático, pessoa que gosta de confusão. Rechaçam qualquer sinal de humanidade em humanos. Só a turma deles presta! Fingem ser do diálogo e progressistas, mas, a qualquer sinal de discordância ou de não atendimento às suas expectativas, cancelam tudo e todos. Inclusive, a cultura do cancelamento é o grande troféu de parte dessa geração, que não debate, não está aberta a debater (muitas vezes, por falta de argumento!) e, por isso, “cancelam”. É mais fácil, não é? É lacração pura!

É uma galera que, certamente, acha que inventou o mundo. O mundo surgiu quando eles nasceram. Nada existia antes. Em sua participação no podcast Podpax, no dia 29 de novembro de 2021, o cantor Pedro Mariano refletiu sobre isso, ao falar da postura das novas gerações no universo da música: “Eu falo sempre pra todas as novas gerações: mas de onde você quer chegar, aproveita a viagem, que a viagem é muito importante, mas não esqueça da onde ‘cê veio e não esqueça quem que deixou o bastão aqui pra você. Eu tenho repetido isso até um pouquinho demais, mas nunca é demais lembrar, que essa nova geração […], parece que o mundo aconteceu num estalo no dia seguinte que eles nasceram, né, que não tinha nada antes, que tudo que ‘tá aqui, ‘tava aqui já, não foi ninguém que fez, ninguém entregou isso aqui, essa parada pronta, entendeu? Se você usa um boné brilhante, ninguém teve a ideia antes, né. Tudo começou agora e eu sou um gênio porque eu inventei tudo. Isso é o lema da nova geração”. Concordo com Pedro. É um povo que acha que inventou a militância, por exemplo. Militância de todas as naturezas. Só a militância deles é a que vale. Ninguém mais milita! Só eles! Inauguraram isso. A militância surgiu com eles.

Em geral, pessoas que fazem graduação, mestrado e doutorado e, por isso, se acham acima de tudo e de todos. Que não têm apenas o rei na barriga, mas o Império todo, num esforço de se aproximar da arrogância de alguns docentes das universidades, que inoculam esse vírus a torto e a direito. É a turma que fala que quer botar o professor universitário no potinho, num puxa-saquismo de enojar qualquer cidadão que tem consciência do seu potencial, que abdica dessa postura para alcançar os seus objetivos. Pessoas que, numa estratégia de alimentar a própria mediocridade, silenciam os outros, não reconhecem a potencialidade alheia, não elogiam. Só criticam. São os bonecos Revoltadinhos da Estrela, que têm um discurso bem bonito de justiça social, mas, na primeira oportunidade, lideram conchavos e malandragens. O povo do “Para além…”, nos debates acadêmicos. Que vomita autores o tempo todo, porque essa é a demonstração máxima de sapiência nos corredores e salas de aula das instituições de ensino superior. E também nos simpósios, congressos e mesas redondas! No fundo, no fundo, pessoas vazias. Se a gente espreme, não cai nem suor. Imediatistas, querem tudo para agora. Não valorizam a caminhada. Iniciam projetos, alguns até superbacanas, mas, como a ação não atende às expectativas traçadas, encerram. Querem ser bem-sucedidos, mas não querem trabalho. Pessoas que acham bonito falar que fazem terapia, porque veem os personagens de suas séries e de suas novelas prediletas falando. Não têm noção do que isso implica, da importância desse tratamento para a saúde dos mais de 20 milhões de brasileiros que fazem consultas dessa natureza (de acordo com dados de uma pesquisa feita pelo Instituto FSB). Para essa bolha, “Eu faço terapia” é quase uma senha para o mundo deles, que são os mais descolados, os conscientes, os mais-mais, as pessoas que têm a solução para tudo no mundo.

A Lacração tem sempre uma diva, rebolativa ou não, para chamar de sua. Quando alguém não curte o que eles curtem, argumentam com o clichezaço propalado na internet: “Aceita que dói menos”. Aceitar o quê, criatura?! Oxe, oxe, oxe! Para aceitar, tem que fazer parte da nossa vida. Tem artistas que estão aí, fazendo o trabalho deles, e a gente não tem nem ideia do que eles estão realizando. Simplesmente porque a gente não acompanha a vida deles. Em outubro, continuando a minha estratégia de ler uma coisa mais leve sempre quando termino de fazer leituras mais densas, resolvi ler a biografia de uma dessas “divas” rebolativas com aspirações internacionais intergaláticas. Ao me deparar com a narrativa do autor, um jornalista que cobre o disse me disse de pessoas famosas, percebi que não sabia metade das coisas citadas. Não conhecia algumas músicas elencadas e classificadas como “hits”. Ficava entre o livro e os sites de busca na internet, para me familiarizar com os personagens citados. Isso não é problema da artista, mas, sim, meu. Como não a acompanhava, não sabia de nada. Então, não tinha como aceitar. Não se aceita aquilo que nem existe para você.

Uma característica comum aos integrantes da Bolha da Lacração é a covardia. Eles não falam nada PARA você, mas DE você. De preferência, em grupos de WhatsApp, onde todos falam para todos e não ultrapassam aquela bolha ilusória da justiça e do bem viver social. É chuva de prints o dia todo! “Olha o que Fulano postou!”, “Vocês viram isso?!”, “Menina, eu tô passada!”. Claro que inventam apelidos bem cruéis para se referir aos alvos de suas críticas! Essa é a geração que vive bradando aos quatros ventos na rede social do momento que quer mudança social. É sobre isso, sabe?!

“É sobre isso” e “Paz”: o máximo de argumentação

A Bolha da Lacração se acha tão original, tão fundadora de tudo, que, obviamente, não se percebe, mesmo quando vai na onda dos modismos de hoje em dia. A gente já está cansado de saber que a língua é viva mesmo, é dos falantes e quais, quais, quais. Isso é indiscutível. Contudo, tem expressões que as pessoas usam apenas porque todo mundo está usando. Elas não refletem sobre o uso. Nos anos 90, foi assim com “a nível de”. Será que o “é sobre isso” é o “a nível de” de agora? Pode ser. O fato é que essa geração que se acha a dona de todas as verdades usa tal expressão para argumentar tudo. Em tempos de objetividade, principalmente a exigida para bombar nas redes sociais digitais, é até compreensível, não é? “Paz” também faz parte do repertório, mas, digamos, está menos frequente nas telas. É sabido que quantidade não determina qualidade, mas argumentar com 13 (É sobre isso!) ou quatro (Paz!) caracteres, de fato, deve ser coisa de iluminados. Quando não se tem nada para falar, largam um “É sobre isso”, que quer dizer, absolutamente, nada. Eu acho fofo quando vem acompanhado do “sabe”: “É sobre isso, sabe?”. Fico imaginando alguém argumentando assim na redação do ENEM. O tema da edição de 2021 foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Oxe! Tasca um “É sobre isso” e fica aliviado! 1000 pontos! Também pensei numa festa de camisa colorida reunindo essa galera da argumentação sintética: “É Sobre Isso Fest!”. Muito original! Ninguém criou algo parecido! Mais uma vez, eles vão inaugurar um filão. Inclusive, parte da Bolha da Lacração que lê este texto, porque eles não têm paciência para textos com mais de dez caracteres, vai desqualificá-lo. Vai dizer que é raso, sem argumento, que é clichê, que eu falo o que qualquer pessoa podia falar. Argumento, de verdade, é o “é sobre isso”, sabe? Paz.

Legisladores das redes sociais

A Bolha da Lacração também se acha no direito, porque eles podem tudo, de dar pitaco sobre como uma pessoa administra e se comporta nas redes sociais digitais. “Fulano posta demais”, “Beltrano não posta nada”, “Sicrano posta as mesmas coisas, em todos os lugares. Que saco!”. Pois é. A nossa liberdade é cerceada pelos lacradores de plantão. No jardim das ilusões em que eles se deitam em berço esplêndido, acham que podem controlar o que quiser, determinar o que pode e o que não pode ser feito. Certa vez, uma desavisada veio me dizer, por mensagem privada no Instagram, que eu não deveria ter feito um comentário (elogioso até!) num post do perfil de uma faculdade de comunicação que frequentei por seis anos. Tratava-se de uma publicação que informava sobre uma roda de conversa que discutiria racismo estrutural na cobertura jornalística. De acordo com “a dona da verdade”, eu não deveria parabenizar uma entidade por fazer algo que é obrigação. E o tom da mensagem era de carão. Imagina?! A sorte é que sou bem educado… Ela só desconsiderou a minha vontade de elogiar a iniciativa, porque quis fazê-lo e fiz. Sou dono da minha liberdade, não é? Inclusive, é bom frisar: eu tinha elogiado “a iniciativa”, não “a instituição”, o que é bem diferente. Mas poderia ter elogiado a instituição, se quisesse e se achasse pertinente. Além de sensatez, faltou à coleguinha (sim! Ela é jornalista, oriunda da mesma faculdade) capacidade de interpretação de texto. Os lacrativos são assim: acham que podem controlar tudo! Até os nossos comentários! Uma menina bem pretensiosa (como muita gente que frequenta e frequentou a referida faculdade!), que não acredita no conceito de antirracismo e que usa “escurecer”, em vez de “esclarecer”, achando, com isso, que milita pela causa negra mais do que todo mundo. Ô dó! Vai fazer carreira na militância…

Bizarro! (argumento 1)

É sobre isso! (argumento 2)

Paz! (argumento 3)

____
*Karol K, em Lacrei.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

“O ato de ler implica sempre percepção crítica”, Paulo Freire

    Educador reflete sobre leitura, formação de leitor e alfabetização em obra lançada em 1981

Imagem: reprodução do site da Cortez Editora

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

A série 2021: Paulo Freire é 100! tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano. Ela integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Hoje, vamos fazer reflexões relacionadas ao livro A Importância do Ato de Ler, cuja primeira edição foi publicada em 1981. Ler é uma prática fundamental para toda e qualquer pessoa que quer se emancipar. Quando pensamos no universo da educação, ela é (e deve ser!) prioritária. Principalmente, evidenciando que professores são profissionais que devem contribuir para o estímulo à leitura. Obviamente que, para isso, eles têm que ler.
De acordo com os dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, estamos perdendo leitores. Dos 213 milhões de brasileiros, 100 milhões leem. Ou seja, 52% da população. Houve uma queda de 4,6 milhões de leitores, entre 2015 e 2019, ano de referência da pesquisa. As crianças estão lendo mais, os adolescentes e adultos estão lendo menos. É importante ressaltar que a pesquisa considera leitor toda pessoa que leu, na íntegra ou parcialmente, pelo menos um livro  três meses antes de sua realização.
O livro de Paulo Freire é constituído de três artigos, que, como já vem no título da obra, se complementam, pois falam de leitura e de alfabetização. O texto do primeiro capítulo, que dá nome ao livro, foi escrito para ser lido, pois foi tema de uma palestra de Freire. Logo no início, o educador define o ato de ler: “… não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas […] se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”, p. 9. Sendo assim, tudo pode ser lido e o que se lê no mundo se complementa na leitura da palavra.
Ao longo do texto, Paulo fala de sua formação como leitor, da sua experiência particular no universo da leitura: “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-neqro; gravetos, o meu giz”, p. 11. Freire critica a lógica de quem acha que passar muitas leituras para os educandos, focando apenas na quantidade, é o caminho para fomentar a leitura. “Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes ‘leiam’, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler. […] A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentramento nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita. Visão que urge ser superada. A mesma, ainda que encarnada desde outro ângulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possível qualidade de seu trabalho, ou não, com a quantidade de páginas escritas”, p. 12. Tudo que foi dito nesse trecho é posto em prática por muitas universidades, que fazem isso achando que a qualidade de ensino se dá dessa forma. Freire, como escreveu em 1981, discorda.
Durante a leitura do artigo, fica muito evidente a posição de Paulo Freire sobre o ato de ler. Para ele, é sempre uma oportunidade de se libertar, se emancipar e ter percepção crítica. Não é um ato isolado. Está sempre relacionado com as vivências de cada pessoa. A leitura de mundo vai ter ressonância na leitura da palavra. Isso é repetido com insistência no texto.
Ao falar de alfabetização, tema que explora com mais afinco no artigo seguinte, em que trata da alfabetização de adultos e bibliotecas populares, Freire reafirma que alfabetizar, para ele, é um ato político. “…me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetização de adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador”, p. 14. Ele critica a memorização mecânica e, mais adiante, chama a atenção dos professores, exigindo que o discurso democrático que eles propalam vire, de fato, ação na prática. “Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que o nosso discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado”, p. 16.
No terceiro artigo, Paulo Freire fala sobre uma experiência de alfabetização de adultos desenvolvida por ele em São Tomé e Príncipe. Essa parte é um pouco maçante, mas vale destacar o que o educador traz sobre conhecimento, que é algo que todo mundo tem: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa”., p. 39. Também é significativo o que ele diz sobre o processo de formação, que é contínuo: “Ninguém se forma realmente se não assume responsabilidades no ato de formar-se. O nosso povo não se forma na passividade, mas na ação sempre em unidade com o pensamento”, p. 49.
Ler, formar leitor e alfabetizar são atos políticos. Não podem ser implementados sem esse viés, na superficialidade. É isso que fica evidente quando se conclui a leitura da obra. O ato de ler nos leva além. Sempre.
Referência:
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
Crônica, Cultura, Desde Já, DEZde, Jornalismo Cultural

Roupa: você repete?

Imagem: reprodução do blog Menos 1 Lixo

Por Raulino Júnior ||Desde Já: as crônicas do Desde||

Em dezembro do ano passado, uma famosa teve que explicar (isso mesmo!) por que seu filho repetiu uma roupa que já tinha usado numa outra noite de Natal. Eu pensei: gente, qual é o problema? Quem não repete? Oxe, oxe, oxe. Repetir roupa é natural e, além disso, uma atitude responsável. Ajuda na sustentabilidade do planeta e gera uma boa economia de dinheiro. Repetir roupa é o que há no mundo da moda! Inclusive, é considerado chique!

Claro que, sem ingenuidade, é sabido que o ato de repetir roupa pode causar um desconforto para quem repete. Isso no universo dos famosos fica mais evidente, porque há uma cobrança nesse sentido. Muita gente olha para figuras públicas e cobra atitudes desumanas até. Quem é famoso é gente como a gente, para ficar num clichê. Sendo assim, pode (e deve) repetir roupa. Essa cobrança por uma exclusividade no vestuário é própria de sociedades que se preocupam com coisas que não são importantes. Isso, na verdade, nem deveria ser uma questão.

Os brechós têm ajudado muito nessa consciência do reúso. Muita gente passa nesses locais a fim de adquirir peças que estão num bom estado e que têm identidade com aquilo que quer falar para o mundo. Porque moda é comunicação, não é? Brechó virou tendência. Sem contar que, muitas vezes, a repetição de roupa está atrelada a uma memória afetiva. A roupa ganha outro valor por causa da carga emocional que carrega. Então, a gente usa e abusa também para lembrar do quanto aquela peça significa para a gente.

Tem roupa minha que já vai sozinha para alguns lugares, de tanto que eu repito. E me orgulho de ter peças de 15, 20 anos no meu guarda-roupa, que uso e reúso. Simples assim. Quem repete roupa gasta menos dinheiro. Por exemplo, roupa de casamento, batizado e formatura tem diferença? Não, né? É só usar a mesma nessas ocasiões e ser feliz. A única mudança vai ser a da pose nas fotos.

Sigamos.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
Cultura, DEZde, Entrevistona, Gramática, Jornalismo Cultural, Língua Portuguesa, Leitura, Literatura

“A Língua Portuguesa é cheia de Charme”

No Dia Nacional da Língua PortuguesaDesde entrevista professor gaúcho que difunde o idioma nas plataformas digitais

Thiago Charme: “Eu sou um defensor ferrenho das variantes da Língua”. Foto: autorretrato

Por Raulino Júnior 

É impossível ter contato com o professor, designer gráfico e escritor Thiago Charme e não brincar com o seu sobrenome, que, usando uma figura de linguagem muito comum na Língua Portuguesa, caiu como uma luva para ele. Inclusive, não foi por acaso que fizemos um trocadilho no título desta entrevista. Luis Thiago do Nascimento Charme tem 38 anos e é natural de Arroio dos Ratos, município do Rio Grande do Sul. Filho de Maria Cleusa do Nascimento Paiva e Gildo Ramires Charme (in memorian), ele é oriundo de uma família grande. Tem quatro irmãos cheios de Charme: RejaneVanderDaniela Willian. O sobrenome incomum é, ao que tudo indica, de origem francesa. “Na verdade, não é um erre ali no meio. O sobrenome mesmo, dos meus avós paternos, é Chalme, com ele”. De acordo com Thiago, há muitas variações do sobrenome. “Nós, irmãos, temos essa diferença também. Todo eles têm o esse no final, menos eu. Pra dizer a verdade, de todos os primos, parentes e tios de quem eu tenho notícia, de mais perto, o único que é realmente Charme sou eu”. O fato é que os Charmes não vieram ao mundo para seguir modelos e tradições. E Thiago personifica isso nas suas vivências e atitudes. Em 2009, quando começou a dar aula, já utilizava as tecnologias da informação e da comunicação como recurso pedagógico. Em 2011, isso se consolidou, participando de projetos de criação de canais de veideoaulas. Daí em diante, não parou mais. Em 2015, criou o TuboAulas. “Era um projeto que abrigava outros professores. Daqui e dali, as coisas foram mudando um pouco de visão. Não houve dedicação de alguns professores. A partir de 2019, comecei a pensar em algumas mudanças no meu formato. A primeira delas, voltar o meu material para Língua Portuguesa e Literatura, que sempre gostei bastante. Não queria que fosse um trabalho maçante, só focado em ENEM, porque o meu intuito sempre foi compartilhar conhecimento, democratizar o conhecimento”. No ano passado, em conversa com alguns amigos, um deles, Jean Azevedo, do canal Geografia com JeanGrafia, sugeriu um novo nome para o novo conceito do projeto: Português com Charme. No canal, Thiago promove processos de ensino e de aprendizagem de forma ampla, nada é à toa. Inclusive, as cores escolhidas para a arte da plataforma. “A cor amarela do canal foi quase que 100% inspirada no álbum AmarElo, de Emicida. Tanto a música quanto o álbum como um todo foi uma transformação para a minha vida. É como se eu estivesse ressurgindo de certa forma e me reconstruindo o tempo todo através de cada uma das músicas do álbum”, confidencia. Toda a identidade do canal foi pensada com a ajuda do namorado, Oliver Luys, que também é designer gráfico e empreendedor. Thiago é formado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa, Inglesa e Respectivas Literaturas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS); e em Publicidade, curso pós-médio que fez na Escola Técnica Estadual Irmão Pedro. Nesta entrevistONA especial, feita por WhatsApp e comemorativa pelo Dia Nacional da Língua PortuguesaThiago Charme diz o que faz para não se tornar uma gramática ambulante, reflete sobre preconceito linguístico, linguagem neutra e pretoguês. Ainda fala de sua relação com Salvador e com o baianês e diz por que a Língua Portuguesa é cheia de charme: “Eu amo todo esse conceito de jogar com as palavras. De trabalhar as palavras em todo o seu sentido”. Leia e fique à vontade.

Desde que eu me entendo por gente – Desde 2011, você usa o YouTube para promover processos de ensino e de aprendizagem na área de Linguagens e seus Códigos. Qual contrapartida tem do público que te acompanha?  

Desde – Qual limite você coloca para não se tornar uma gramática ambulante? Ou seja, como evitar ser um consultor de gramática durante todo o tempo e por todas as pessoas?

Desde – No Behance, você diz que decidiu fazer Letras porque queria se comunicar e escrever bem. O curso, por si só, te trouxe isso? Por quê?

Desde – No livro Preconceito LinguísticoMarcos Bagno faz críticas a profissionais de Letras que dão curso com o objetivo de ensinar a falar e escrever bem a Língua Portuguesa. De acordo com o linguista, isso acontece porque a sociedade elege uma variante da língua como sendo de prestígio. Qual é a sua opinião sobre isso?

Desde – Você é designer gráfico. Se a Língua Portuguesa fosse uma imagem, qual seria?

Desde – Entre abril e junho de 2019, você morou em Salvador. O baianês te encantou? Incorporou algumas expressões ao seu vocabulário?

Desde – Qual poema da Língua Portuguesa mais te comove? Por quê? Declame para os leitores e para as leitoras.

Desde – A Língua Portuguesa, além de ser matriz da nossa cultura, contribui para a nossa atuação política no mundo. A  linguagem neutra é um exemplo disso. Para você, a resistência ao uso dela terá longevidade ou não tem mais jeito?

Desde – O Pretoguês, conceito cunhado por Lélia Gonzalez para falar sobre a  marca de africanização do português falado no Brasil, é também um ato político, porque evita um silenciamento que insiste em prevalecer. Como você incorpora tal discussão na sua prática pedagógica?

Desde – A Língua Portuguesa é cheia de charme? Por quê?

Da Calma e do Silêncio, de Conceição Evaristo, por Thiago Charme

*

Canais de Thiago Charme nas redes sociais digitais:

Instagram:

@ThyagoCharme e @PortuguesComCharme

TikTok: @PortuguesComCharme

Twitter: @ThiagoCharme e @PortuguesCharme 

YouTube: @PortuguesComCharme

*

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

Para Paulo Freire, reduzir professora à condição de tia é uma armadilha ideológica

   Em livro publicado em 1993, educador traça caminhos para uma prática pedagógica crítica

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Dando continuidade à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, o Desde aborda hoje as ideias contidas no livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993. A série integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Na primeira postagem, falamos de uma das cartas presentes no livro, por considerá-la bem importante para o debate sobre educação. Agora, vamos fazer uma reflexão do livro como um todo.
A obra traz um Paulo Freire professor, no sentido mais amplo da palavra. A todo tempo, a impressão é a de que ele está conversando com a gente, pegando na mão, nos guiando. Logo no início, ele justifica o provocativo título: “Recusar a identificação da figura do professor com a da tia não significa, de modo algum, diminuir ou menosprezar a figura da tia, da mesma forma como aceitar a identificação não traduz nenhuma valoração à lei. Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental do professor: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente”, p. 9.
Freire critica a associação de professores e professoras com tios e tias. Para ele, isso  contribui para uma desvalorização profissional. “A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma ‘inocente’ armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais”, afirma na página 18.
Depois de uma longa introdução para debater o tema principal do livro, Paulo Freire apresenta aos leitores e às leitoras as dez cartas a quem ousa ensinar. Elas atuam como conselhos do mestre, mostrando o que deve e não deve ser feito na prática pedagógica. Em alguns trechos, reforça o que já tinha dito (“Quanto mais aceitamos ser tias e tios, tanto mais a sociedade estranha que façamos greve e exige que sejamos bem comportados”, p.33); em outros, dá lição de cidadania (“É preciso acompanharmos a atuação da pessoa em que votamos, não importa se para vereador, deputado estadual, federal, prefeito, senador, governador ou presidente; vigiar seus passos, gestos, decisões, declarações, votos, omissão, conivência com a desvergonha. Cobrar suas promessas, avaliá-los com rigor para neles de novo votar ou negar-lhes o nosso voto”, p. 34).
Numa das cartas, elenca as qualidades que, na opinião dele, todo professor deve ter para um melhor desempenho: humildade, amorosidade, coragem, tolerância, decisão, segurança, paciência, impaciência e alegria de viver. O livro tem frases daquelas que os educadores devem levar para a vida, como:
1) “A escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo”, p. 42.
2) “Não há vida nem humana existência sem briga e sem conflito”, p. 42.
3) “Sem intervenção democrática do educador ou da educadora, não há educação progressista”, p. 53.
4) “… é bom admitir que somos todos seres humanos, por isso, inacabados. Não somos perfeitos e infalíveis”, p. 55.
5) “…coerência não é conivência”, p. 72.
6) “Sem limites a vida social seria impossível”, p. 73
7) “O professor deve ensinar. […]. Só que ensinar não é transmitir conhecimento”, p.79.

E tantas outras. No final do livro, ele segue assertivo: “Que o saber tem tudo a ver com o crescer, tem. Mas é preciso, absolutamente preciso, que o saber de minorias dominantes não proíba, não asfixie, não castre o crescer das imensas maiorias dominadas”, p. 84. Professora sim, tia não é uma obra política e, como tal, necessária.

Referência:
 
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
Cultura, DESDEnhas, Jornalismo Cultural, Resenha

Caderneta da Criança orienta pai, mãe e outros responsáveis no cuidado de crianças com até 9 anos

  Documento traz noções fundamentais para quem está prestes a se responsabilizar pela criação de uma criança

Capas da Caderneta da Criança: especificação desnecessária com o uso de “Menina” e “Menino” . Foto: captura de tela

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos. Desde o início da gestação até o nascimento, ou  desde o processo de adoção, a rotina da família que vai receber a criança muda consideravelmente. Além da questão espacial (a organização da casa), muitas dúvidas surgem na cabeça de pais, mães e outros responsáveis: “Como deve ser a alimentação?”, “Quais vacinas a criança deve tomar assim que nasce?”, “Como contribuir para o desenvolvimento adequado da nova integrante da família?”. Essas e outras perguntas são respondidas na Caderneta da Criança – Passaporte da Cidadania, publicada pelo Ministério da Saúde, cuja última versão foi lançada em 2020.

A publicação é bem completa. Aborda dos direitos da criança ao acompanhamento odontológico. Fala sobre o procedimento para fazer o registro e sobre a matrícula obrigatória na pré-escola, a partir dos 4 anos de idade. Destaca a triagem neonatal (testes do pezinho, do olhinho, da orelhinha e do coraçãozinho) e o contato que os responsáveis devem ter com o bebê o tempo todo, importante para criar laços afetivos. Informa como adultos podem proteger a criança da violência e como perceber alterações na visão e na audição.

O leite materno é rei e isso é reforçado na caderneta. Ele tem todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento da criança. A orientação é de que, até o seis meses, seja a única fonte de alimentação dela. Após esse período, já pode introduzir frutas, cereais, tubérculos, legumes, verduras, grãos, carnes, ovos. As mães e os pais nunca devem oferecer leite artificial para o bebê. Caso aconteça de a mãe ficar sem produzir, a família deve recorrer a um Banco de Leite Humano. Quanto mais a criança mama, mais a mãe produz. Mamadeiras e chupetas devem ser descartadas do cotidiano infantil.

O livro toca em questões muito importantes. Principalmente, para quem é inexperiente. Na página 38, em que se discute a prática de estimular o desenvolvimento com afeto, o texto é categórico: “…amar não é permitir que seu filho faça tudo o que ele quer. A criança também precisa aprender a reconhecer o limite entre aquilo que ela pode e o que ela não pode fazer e entre uma situação em que ela está segura e outra na qual ela pode estar em perigo”. Outra parte bem interessante é a que trata sobre o uso de eletrônicos e consumo. A lição é: “Prefira estimular a inteligência do seu filho com as brincadeiras. As crianças estão cada vez mais expostas a celulares, programas de TV e a jogos que não desenvolvem as habilidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais, e além disso muitas vezes podem ter conteúdos violentos, eróticos ou outros, impróprios para sua idade”. p. 58. Ao nascer, a criança tem que tomar a BCG (para evitar formas graves de tuberculose) e a vacina contra a hepatite B. De dois meses a um ano, mais dezessete tipos, como a de poliomielite, meningocócica, febre amarela e sarampo.

Embora o documento se esforce para falar com todos os responsáveis pela criação de uma criança, o texto, implícita e explicitamente, dialoga muito mais com as mães. Na página 41, por exemplo, a gente lê: “No início parece muito difícil, mas procure ir criando uma rotina das mamadas, do banho, de brincar no tempo que ela está acordada. Isso facilita a regulação das funções fisiológicas do bebê”. Esse trecho foi tirado da caderneta com o especificador “Menina”. Pois é. O Ministério da Saúde publicou duas versões de um mesmo documento, com as especificações Menina e Menino. Um pouco desnecessário, uma vez que, atualmente, essas demarcações não fazem mais sentido algum. O texto é o mesmo, mudando apenas os substantivos (filho/filha) e pronomes (ele/ela). A diferença é na parte estética. A capa da Menina é lilás; a do Menino, verde. Os capítulos Alimentando para Garantir a Saúde Acompanhando o Crescimento, na Caderneta da Menina, aparecem na cor rosa; na do Menino, azul. Contudo, tais questões não comprometem a importância da publicação, que deve ser lida por todo mundo que pretende exercer uma criação responsável. E melhor: além de estar disponível na web, é distribuída gratuitamente.

Referência:

BRASIL. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caderneta da Criança – Passaporte da Cidadania. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_crianca_menina_2ed.pdf>. Acesso em: 12 de out. 2021.

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão
2021: Paulo Freire é 100!, Cultura, DESDEnhas, DEZde, Jornalismo Cultural, Resenha

Carta de Paulo Freire aos Professores alerta para o aprendizado mútuo e fala de formação permanente

  Ensinar é aprender, professor deve estudar sempre, ler é fundamental: ideais freireanos para quem ousa ensinar

Paulo Freire deixou um legado imensurável para a educação. Foto: reprodução do site Brasil de Fato

Por Raulino Júnior||DESDEnhas: as resenhas do Desde||

Hoje, o Desde dá início à série 2021: Paulo Freire é 100!, que tem como objetivo fazer resenhas de algumas obras do educador pernambucano, que, se estivesse vivo, completaria 100 anos neste 19 de setembro de 2021. A ação integra o Pacotão do DEZde, projeto que comemora os dez anos do blog. Íamos começar resenhando o livro Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar, publicado em 1993, mas a potência de uma das cartas presentes no livro é tão grande, que resolvemos falar dela isoladamente. Trata-se da primeira delas, conhecida como Carta de Paulo Freire aos Professores. Nela, o Patrono da Educação Brasileira dá dicas para professores e professoras e explora muitos dos seus ideais para educação. Para quem ousa ensinar, a leitura da carta é indispensável.

Logo no início do texto, Freire afirma: “…não existe ensinar sem aprender”, p. 19. E, assim, reflete sobre a importância de o professor estar aberto para aprender com o educando, de saber que todo mundo tem algo a ensinar e de ter a consciência de que o processo de ensino proporciona um aprendizado mútuo. A ideia de que o professor é quem sabe tudo e o estudante chega na escola ou nos espaços de produção de conhecimento sem saber nada é tão ultrapassada que não deveria nem ser mais pauta de debates. Infelizmente, ainda é necessário reafirmar. Por isso, Paulo Freire alerta: “O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer”, p. 19.

Nas linhas seguintes, Freire toca numa questão importantíssima, que sempre é debatida: a formação de professores. Tal formação deve ser contínua, para o professor não ensinar o que não sabe e mostrar competência na sua prática. O fato de aprender quando ensina não é prerrogativa para abdicar dos estudos. O recado do mestre é enfático: “O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática”, p. 19.

Para analisar criticamente a sua prática, o professor, além de se capacitar o tempo todo, deve colocar a leitura como prioridade na sua vida. Leitura de tudo. Leitura do mundo. Para Freire, “o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto”, p. 20. E arremata: “Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria”, p. 23. Ou seja, quem ousa ensinar deve ter a consciência de que estudar será uma prática frequente no seu cotidiano. Não se esgota nem chega ao fim. É permanente. É uma retroalimentação, como ler e escrever.

Outro aspecto importante que Paulo Freire destaca na sua carta é sobre a mecanização do ensino. Ensinar não é transferir conhecimento, é possibilitar reflexões críticas acerca de vários assuntos. É formar cidadãos. Para o pernambucano, “ensinar não pode ser um puro processo, […], de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto”.

Às vezes, na prática pedagógica, o professor tem pressa, quer que tudo aconteça imediatamente. Paulo Freire afirma que todo o processo que voltado para a educação tem que ser paciente: “…ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente”, p. 24. Para o educador, a qualidade da educação vai chegar ao ideal quando a prática for feita com alegria e prazer: “Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação”, p. 25-26.

No finalzinho do texto, ao falar sobre a dificuldade que as pessoas dizem ter com a escrita, o patrono da nossa educação diz: “Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar”, p. 26. Isso vale também para o ensinar. Ninguém ensina se ficar parado, sem buscar aprender, sem ler, sem estudar. Ensinar pressupõe movimento. Em todos os sentidos. Esse é o recado que Paulo Freire deixa para professores e professoras na sua carta. Quem ousa ensinar, tem que se mobilizar. Assim, mobiliza o outro e todo mundo sai do lugar em que estava.

Referência:
 

________________________

É Desde! É Dez! É DEZde!

Padrão