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Weslei Machado Cazaes: de axé, da dança, das ciências e de mulheres

Criado por mãe, por vó, pela dança e pela UNILAB, Weslei Machado Cazaes celebra as suas raízes

Weslei Machado Cazaes: dança como afirmação de identidade. Foto: Marcela Barravento

Por Raulino Júnior

Entre tantos significados que encontramos da palavra axé em dicionários de iorubá, energia e força são os que mais têm a ver com a vida de Weslei Machado Cazaes. O santo-amarense de 27 anos é daquelas pessoas que passam uma energia boa, mesmo para quem o conhece apenas pelas redes sociais digitais, e que usa a força que tem para começar, recomeçar e alcançar os seus objetivos. Filho único de Evandro e Nara, foi dentro de casa, tendo como referência duas das mulheres de sua vida [a mãe, Nadijanara; e a avó, Antonia (Toinha)], que ele aprendeu a percorrer bons caminhos. “Sou daqueles que dizem: ‘Filho criado por mãe e por avó’. Nesses 27 anos, percebo que sou grato demais a elas por ter sido criado tão somente por elas. Acho que a minha ida para a universidade, entrando em debates que antes não me interessavam ou meio que já tinha naturalizado em meu cotidiano, como a maioria dos meus, foi o ponto chave para eu refletir sobre minha vida, minhas relações com o mundo. Principalmente, na questão da mulher nessa sociedade defeituosa. Minha avó, como a realidade de uma maioria de mulheres, sobretudo negras, foi largada para criar sozinha de cinco crianças. Passou fome e se lançou ao mangue para amenizar. Lavou roupa dos outros, fez moqueca na folha pra vender, fez pamonha. Além de tudo, depois de ter vencido a fome total, ajudou a criar os filhos de meu avô com outra mulher. Minha mãe, mulher negra e quilombola, foi a filha que cuidou do caçula e teve que ficar para cuidar da mãe. Foi deixada sozinha para me criar! Interrompeu o ensino médio e só terminou quando eu já estava com uns dez anos, mais ou menos. Ela abdicou dos sonhos de jovem para se tornar uma adulta forçada! Enfim, essas coisas não são para eu dizer que são guerreiras, como se passar por isso fosse algo positivo. Não! Isso serve para eu lembrar que sou grato por elas não desistirem de viver e nem de me dar essa vida que hoje tenho. Por mais que eu esteja condenado a reproduzir atitudes machistas dessa sociedade patriarcal, tive uma criação capaz de me colocar em bons caminhos, que me levaram a analisar essas dinâmicas e me policiar em não cometer o mesmo erro com mulheres que aparecessem em minha vida. Melhor do que isso, é tentar criar um ser humano capaz de respeitar as pessoas sem distinção de raça, gênero, sexualidade, religião etc., mas sempre atento à perversidade humana”, desabafa.
Quem também contribuiu muito para a sua formação humana, cidadã e atuou como uma mãe na sua vida foi a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), instituição na qual se formou em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades e Licenciatura em Ciências Sociais. “Ter a UNILAB nesta região, politicamente massacrada, é dar à nossa região oportunidade de levantar ainda mais a voz, utilizando outras ferramentas para combater as diversas violências que sofremos por sermos pretxs, baianxs, interioranxs etc. Se formos fazer uma pesquisa com xs brasileirxs da UNILAB, sobretudo daqui do Recôncavo, cada um vai dizer que é o primeiro da família a ir à universidade. Isso é resultado de um processo de exclusão que passamos. Além de termos uma educação básica precária, fomos educados [a pensar] que a nossa escolarização é apenas até o ensino médio. Depois disso: trabalho! A UNILAB vem para quebrar muitos paradigmas. O primeiro, é esse limite que nos deram; o segundo, é nos localizar na história, pois, até antes da UNILAB, eu sabia muita coisa da Grécia, Roma e nada dos povos que nos deram origem ou da comunidade que sou. A UNILAB vem me dizer que devemos desnaturalizar as coisas do mundo, deixar de achar que as coisas são porque são. Ela vai nos mostrar que existem diversas visões de mundo e essa que naturalizamos foi totalmente arquitetada por colonizadores, que tentaram apagar a história afro/indígena, e assim tivemos a chance de desconstruir muitas coisas que antes tínhamos como normal. Entender que África não é um país, mas um continente com 54 países dentro, é se libertar das correntes mentais que foram colocadas em nós”.
Dança, candomblé e intolerância religiosa
Weslei leva a energia dele também para a arte. Nesse caso, a dança, que entrou na sua vida desde que tinha seis anos de idade. Passou pela Companhia de Dança Afro do Vale do Iguape, pelo Balé Afro do Recôncavo e pelas quadrilhas Raízes do Iguape e Girassol do Iguape. Cada experiência deixou um ensinamento, principalmente porque aprendeu a conviver em grupo e a respeitar ainda mais as subjetividades. “O Balé Afro do Recôncavo me fez dar muito mais de mim em relação à expressão na dança dos orixás. Lá, pude aprender outros movimentos e tomei conhecimento das origens. Por exemplo, o movimento de Xangô, eu fazia no antigo grupo afro, só que nunca me disseram da relação ou não lembro se me disseram. No Girassol do Iguape, passei um curto tempo, fazendo abertura na dança. Daí, depois de um tempo parado, em 2011, volto ao Raízes. Na Companhia de Dança, eu era o mascote, único homem da minha idade e isso me fez passar por preconceito, pois nessa época, e talvez um pouco hoje, as pessoas imaginam que quem dança afro é mulher ou ‘viado’, usando o termo popular ofensivo que usam. Nessa Companhia, eu me inicio na dança afro. Por último, Raízes do Iguape. Sempre digo e ninguém discorda: o grupo Raízes do Iguape é uma escola de vida. No Raízes, eu aprendi a conviver em grupo, a trabalhar para não só dançar, mas levar um legado ancestral que a gente traz na forma de andar, falar, dançar, sorrir. Quando a gente sai para os concursos, fazemos questão de dizer que nunca vamos sozinhos/as, sempre levamos nossa comunidade, pois é através dela que temos condições de estar em quadra, ano após ano. O Raízes ensinou regras de convivências, de respeitar a religião, sexualidade, opinião política de todos e todas. Somos uma família, nos momentos difíceis e alegres. Falar do Raízes é falar de uma história de gerações. São mais de 40 anos de (r)existência!”.

Weslei trocando energia com o mar. Foto: Uiny Lene

Da dança afro para o candomblé, foi um pulo. De alguns anos, é importante ressaltar. Como é muito comum na sociedade brasileira, Weslei teve toda a sua formação religiosa baseada no catolicismo. Ia à catequese, sem muita empolgação, só porque a mãe mandava. Mais tarde, para agradar uma namorada, visitava a Assembleia de Deus. Antes dessa experiência, fazia estudos bíblicos com Testemunhas de Jeová, mas não se sentia bem. “Faz pouco tempo que estou no candomblé. Sempre visitava um candomblé lá da comunidade, só que não entendia nada, só sei que não queria sair dali. Em 2015, quando entrei na UNILAB, fui com uns colegas em uma festa de Caboco aqui em Santo Amaro. O motivo que me levou entrar no candomblé, eu tenho certeza, foi a minha ancestralidade que me direcionou. Sempre dancei movimentos de orixá na Companhia de Dança Afro, mesmo não sabendo do que se tratava, gostava; visitava um candomblé, mesmo sem incentivo de amigo ou familiar, e eu gostava. Quando estou em função no axé, é como se eu estivesse no meu real cotidiano. Eu defendo muito que o candomblé é um mundo à parte desse que vivemos. O candomblé é uma escola, é uma casa, é uma comunidade. Temos uma língua, culinária, uma interpretação da realidade, natureza. Falamos de economia, política etc. Minha mãe pequena fala que o candomblé é um poço fundo que ninguém nunca consegue chegar. Ela fala isso para afirmar que o aprendizado que se tem é infinito e nem tem muito tempo para aprender tudo, até porque existem orientações dos nossos orientadores/as (babalorixás/ialorixás) e do nosso próprio Orixá”.
Contudo, apesar de toda a contribuição do candomblé para a cultura brasileira, independentemente da vinculação religiosa, a intolerância faz parte do cotidiano do povo de santo. Para Weslei, pequenas ações coletivas podem contribuir para derrubar essa estrutura. “Para combater a intolerância religiosa, tem que colocar o debate racial dentro, pois não se separa. É muito difícil falar de intolerância religiosa e não falar de racismo, pois a maioria dos casos de desrespeito à religião do outro está relacionada às religiões de matriz africana e essas são de origem africana, mesmo que tocadas pelo catolicismo e religiões indígenas. Um exemplo de que é difícil acabar com a intolerância, é quando encontramos, nos Tribunais de Justiça, um crucifixo; quando encontramos na Câmara de Vereadores, uma bíblia; ou quando temos “uma lá ela” de um presidente que retira obras dos orixás do Palácio do Planalto. Percebemos que a intolerância é difícil de acabar a nível macro, quando temos novelas hoje com timidez e pouca bagagem para incluir o candomblé no cotidiano das pessoas do Brasil todo. Mas a nível municipal, podemos, ao menos, promover um debate maior sobre o assunto, criar organizações das religiões, fazer parcerias com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi). Tudo depende da administração. Acredito, inclusive, que é a partir do micro que atingimos o macro, ao menos nesse contexto que estamos… Daqui de baixo que é fácil derrubar as estruturas”.

Santiago do Iguape, Brasil e a Lua

Weslei Machado Cazaes. Foto: autorretrato

“Minha relação com Santiago do Iguape é ancestral, pois os que me antecederam viveram ali e isso já cria esse laço, esse cordão umbilical, entende?!”. É assim que Weslei se refere à vila que lhe deu régua e compasso. Embora tenha nascido em Santo Amaro, é em Iguape que ele é. “É justamente o meu lugar no mundo, no sentido de pertencimento. Esse sentimento de pertencer a um lugar, eu penso em uma raiz de árvore, que constrói uma ligação de energia com aquele solo, aquele território que ela não só nasceu, mas cresceu e se adaptou”, filosofa. Ao ser indagado se o Brasil tem jeito, analisando pela ótica das Ciências Sociais e das Humanidades, Cazaes é esperançoso: “Tem jeito, sim, só não sei para quem. Acredito que a raça humana tenha sede de poder sempre. Assistir a uma série, The 100, que mostra um pouco disso. Mudam de planeta, criticam o modo de outros governar, mas nunca deixam de estar sempre acima de um povo. Então, pensar que o Brasil é um país que tem jeito, no sentido de ser o tal paraíso, acho que ainda está no campo da fantasia. Mas quem sabe, sei lá, no século 30, isso comece a mudar… “A esperança é a última que morre”.
Para Weslei, os amigos é mais uma versão de família. “Digo, muitas vezes, que família não é necessariamente, para mim, de sangue. Eu acredito muito que é o orixá que coloca na minha vida pessoas que valem a pena. Outras passaram por mim e não ficaram, por não conseguirem alguma coisa… Eu já peguei pessoas falando mal de mim e mesmo assim agia na falsidade. Então, essas pessoas, naturalmente, sumiam de minha vida e isso é massa”. Amizade verdadeira ele tem com a Lua, que exerce um fascínio desde sempre: “Minha relação com a Lua sempre foi curiosa… Talvez, por ser algo que está distante desse planeta e que, talvez, se eu pudesse ir para lá, me livrava de muita coisa desnecessária. Só sei que ela me emociona. Em 21 de dezembro de 2018, se tornou ainda mais especial, pois minha namorada me pediu em namoro numa noite em que a Lua estava cheia. Então, ela foi a nossa plateia. Inclusive, em momentos em que estamos distantes e vemos a Lua, nos reconectamos e lembramos um do outro. Aí, mandamos fotos”. Weslei tem força, energia e romantismo.

 Que gente é você?

Por que você brilha? 

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Canais de Weslei Machado Cazaes nas redes sociais digitais:
 
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Série Gente é Pra Brilhar! | Ficha Técnica:
Convidado: Weslei Machado Cazaes
Data da entrevista (feita por e-mail): 7/10/2020
Idealização/produção/texto: Raulino Júnior
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