Cultura, DEZde, Domingueiras: entrevistONAS de Domingo, Jornalismo Cultural

Rafael Querrer: “Ou você é o cara que ri ou o cara que reclama. Não existe essa de ‘ser contra, mas não ligar'”

Em entrevista exclusiva para o Desde, jornalista e apresentador fala de carreira, violência racista e sobre o que quer para o país

Rafael Querrer: “Eu não mudei a pessoa, mudei o lugar onde a pessoa está. Agora, estou na linha de frente”. Foto: Fernanda Marangoni

Por Raulino Júnior ||Domingueiras: entrevistONAS de Domingo||

O brasiliense Rafael Querrer Soares tem 33 anos, é filho “da guerreira Vicença Paula Soares Querrer e do melhor amigo de todos, Edson Barbosa Soares“, nas próprias palavras dele; e irmão de Raíza Querrer Soares. Formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Rafael escolheu o curso por acreditar que a atividade jornalística contribui para o progresso do país: “O jornalismo é uma peça fundamental para o amadurecimento da democracia. Eu escolhi essa faculdade porque eu achava e acho que no exercício dessa profissão eu posso contribuir para o progresso da minha nação”. Atualmente, cursa Análise e Desenvolvimento de Sistemas na mesma instituição. O mestrado na Universidade de Brasília (UnB) está no radar, onde talvez submeta como projeto o Black Talk, programa de entrevistas que mantém nas redes sociais digitais desde o dia 4 de julho de 2020 e cujo lema é “Ouvir quem nunca é ouvido”. O objetivo é escutar pessoas negras, para que elas falem de suas vivências e, sempre que possível, façam análise de como a violência racista impactou as suas vidas. Desde 2012, pratica jiu-jitsu, esporte que o ajudou na luta contra o racismo. “É o esporte da minha vida, embora eu ame o futebol também. O jiu-jitsu me ajudou muito na luta contra o racismo, porque me deu mais autoestima e me ensina, diariamente, a cair, a levantar e a nunca desistir. Me ensina também a pensar minhas lutas, a agir com a cabeça e, claro, que nenhum problema, grande ou enorme, é invencível. Eu só preciso saber qual plano utilizar”. Quem acompanha Rafael nas redes, percebe o quanto é sério e determinado. Questionado se a seriedade sempre fez parte da sua vida, ele, com o foco de sempre, responde: “Só sou sério com o que precisa de seriedade. Na verdade, é porque a seriedade me ajuda a estar concentrado. Na maior parte do tempo, eu estou fazendo alguma palhaçada”. Nesta entrevistONA, feita por e-mail, o leitor e a leitora vão perceber essa verve engraçada do jornalista. Além disso, vão ver Rafael refletindo sobre a violência racista que está entranhada no Brasil desde 1500, sobre política e sobre futuro. Leia e fique à vontade.

Desde que eu me entendo por gente – Qual é a origem do “Querrer”? Tem significado?

Rafael Querrer: Não tem. Na verdade, é um sobrenome que está “escrito errado”. [Risos]. O certo seria Querré, um sobrenome de origem francesa. O interessante é que há outras pessoas com o sobrenome Querrer pelo mundo, mas não têm qualquer relação comigo. Também não sei qual o significado de Querrer. Meus amigos dizem que QUERRER É PODER. [Risos].

Desde – No artigo Consciência #001, que escreveu no Medium para a Semana da Consciência Negra de 2019, você afirma: “Eu costumo dizer que nem mesmo o amor fraterno, aquela amizade que transforma estranhos em família, consegue atingir esse nirvana que é entender a desigualdade racial como um problema, uma violência”. De lá pra cá, o que você já percebeu de mudança de postura dos seus amigos brancos em relação ao racismo?

RQ: A mudança ocorre porque eu me transformei em uma pessoa que SÓ FALA SOBRE ISSO. Então, as pessoas adotam outra postura ao meu lado. O Black Talk é uma iniciativa pequena, mas meus círculos já o conhecem, então há um cuidado, mas eu não chamaria de mudança de postura, sabe? Pelo menos, não no geral. Ainda mais para alcançar a dor de uma violência que eles estão longe de sentir. Mas falta não só a sensibilidade, como também o conteúdo. É muita gente que não tem nenhuma noção sequer sobre a história do povo negro no Brasil. Que ainda questiona números, relativiza assassinatos, enfim… O que eu posso dizer é que o Black Talk, ESPECIFICAMENTE, conseguiu provocar algumas reflexões. Uma mudança no campo do pensar sobre esse tema, não exatamente no comportamento. Assim sendo, não posso dizer que percebi uma mudança. Ainda convivo em um ambiente em que a branquitude sufoca e mata.

Desde – Atualmente, e é uma pergunta retórica, você prefere ser visto por eles como o “chato” e “reclamão” ou como “o Querrer gente boa, que leva tudo na brincadeira”? Por quê?

RQ: Prefiro [ser visto como chato e reclamão]. Eu prefiro porque eu acho que a gente precisa ser coerente com as coisas. E isso é um desafio. Não é toda hora que a gente consegue se posicionar de maneira tão firme. Isso precisa ser um exercício diário. Ser coerente e não passar pano são ações que precisam de prática. Não é do dia para noite, principalmente se você está sozinho em um discurso e está adotando esse comportamento como uma novidade para si. Eu já fui o cara que leva tudo na brincadeira como estratégia para abrir espaço de participação social. Ou seja: fazer amigos. Hoje, eu não quero nem me imaginar fazendo isso. Há muita coisa envolvida nesse negócio todo. Se eu for o cara legal e rir, vou estar rindo e admitindo violências contra os nossos ou contra outros. E isso não dá. Ou a gente faz de um jeito ou de outro. E assume uma postura, mesmo que ela seja lida como errada. Ou você é o cara que ri ou o cara que reclama. Não existe essa de “ser contra, mas não ligar”. Então, eu prefiro, sim, ser o chato. Porque sendo o chato pra eles, eu estou sendo correto comigo. Me respeitando. Defendendo minhas bandeiras. E quem sabe a minha chatice, que nem sempre é agressiva, muitas vezes é até em tom de ironia ou brincadeira, não consegue provocar alguma “mudança” entre os meus, como conversamos no tópico anterior?

Desde –  Nesse quase um ano de Black Talk, o que o programa já te ensinou?

RQ: O programa me ensinou, PRIMEIRAMENTE, que não estou sozinho. Essa foi a grande lição. Há outros nessa trincheira. E, em segundo lugar, me deu consciência sobre outras formas de violência praticadas pelo racismo. Hoje, eu tenho os olhos muito mais abertos do que seis meses atrás. E é louco porque é pouco tempo! Mas eu conversei com personalidades maravilhosas, que me deram essa visão de forma muito intensa, além da oportunidade de me deixarem me reconhecer neles e nelas. Então, eu tenho a consciência e estou buscando as ferramentas para construir outras resistências. Para enfrentar o problema em outras regiões, sejam elas do “mundo tangível” ou do imaginário.

Desde – Qual é o seu principal objetivo com ele? E você quer que ele chegue aonde?

RQ: Eu quero que as pessoas ouçam, que as pessoas reflitam e que as pessoas comecem a entender que elas, brancas, também são protagonistas nessa luta, e que as pessoas negras não estão sozinhas. O programa não é feito para pessoas brancas e nem apenas para pessoas negras. Ele tem um formato que agrega os dois públicos. Não agride quem está ali para aprender ou quem tem uma visão diferente das coisas. Porém, o meu objetivo central, hoje, é este: fazer com que a questão racial se torne pauta na vida das pessoas brancas que me assistem e que as pessoas negras encontrem um espaço de aquilombamento. Paralelo a ele (ou a eles, objetivos centrais) está o óbvio: espaço para que negros e negras sejam ouvidos e ouvidas.

Desde – Através da pesquisa feita para fazer esta entrevista, ficou evidente que você sempre teve consciência de sua negritude. Contudo, havia um grito calado, que não se manifestava. Quando foi que isso mudou? Por que resolveu gritar para todo mundo ouvir?

RQ: Acho que não há um momento marcante, chave. Foi ao longo da vida mesmo. A gente vai tomando porrada e uma hora desperta. Eu me relacionei com pessoas extremamente racistas e demorei pra me tocar disso, porque não tinha consciência o suficiente para entender o quadro todo. Então, eu fui abrindo os olhos aos poucos. E na medida em que eu fui descobrindo a realidade, eu fui assumindo mais a postura combativa. Tinha uma pessoa na minha vida que dizia: “Mas tudo pra você é sobre ser negro”. Sim, é. Essa pessoa, como tantas outras, teve, tem e terá tudo por ser branca. E eu não entendia o racismo nessa reflexão que ela me trazia, sabe? Depois, eu vi. E conectei a outras coisas. E, então, eu me afastei. Isso eu fazia antes. Hoje, eu falo, brigo e depois me AFASTO. [Risos].

Desde – Como é viver no centro, digamos, mais político do país?

RQ: Talvez, para mim, tenha sido mais intenso porque eu trabalhei nas coberturas da Praça dos Três Poderes. Acompanhei Congresso, Planalto e STF. Para quem entende o que significam esses poderes, neste País, o clima é pesado. A gente sabe como aquilo foi construído, quem está lá, o motivo de estar lá… Enfim. Somos lembrados disso a todo o momentos O clima fica pesado. A cidade respira a Casa Grande todinha. É uma atmosfera estranha, embora Brasília seja uma cidade excelente.

Desde – O que Rafael Querrer quer para o país?  

RQ: Rafael Querrer quer para o País um povo consciente da questão racial e que finalmente entre nas trincheiras pelo fim das inúmeras violências que sofremos aqui. Eu quero para o País igualdade, oportunidades iguais, liberdade e prosperidade!

Desde – Quem era o Rafael de dez anos atrás? 

RQ: O Rafael de 10 anos atrás não era muito diferente desse. Eu acho que mudei pouco em relação à minha essência. Hoje, porém, tenho mais defeitos; como, por exemplo, ser uma pessoa mais fria, mas sou mais obstinado, sou mais corajoso e tenho muito mais fé em mim mesmo. Confiança. Mas, veja, eu continuo o mesmo Rafael. Do mesmo lado, com as mesmas bandeiras e com a mesma perspectiva geral sobre o que eu quero para mim, que é a tal da felicidade. Eu não mudei a pessoa, mudei o lugar onde a pessoa está. Agora, eu estou na linha de frente.

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Canais de Rafael Querrer nas redes sociais digitais:

Instagram: @Rqr87

Facebook: @Querrer01

Twitter: @Querrer

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É Desde! É Dez! É DEZde!

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