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Zezé Motta em prosa e versos

Biografia evidencia versatilidade artística e engajamento da atriz

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||

Zezé Motta é uma das artistas mais versáteis do Brasil. Isso não é só uma afirmação clichê. É fato! E quem lê a biografia Zezé Motta: muito prazer, de autoria de Rodrigo Murat, constata isso. A obra integra a bem-sucedida Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que tem como objetivo “preservar a memória da cultura nacional e democratizar o acesso ao conhecimento”. A artista canta, produz, dubla, apresenta, milita e se reinventa sempre. Nascida em 27 de junho de 1944, em Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, Zezé é filha de Luiz Oliveira (músico) e Maria Elasir (costureira). O nome artístico foi uma sugestão de Marília Pêra, a quem ela considera madrinha artística. Antes, usava o nome de batismo: Maria José Motta.

A biografia é narrada pela própria Zezé, mas, logo no início, tem uma introdução de Rodrigo na qual ele destaca uma traço marcante da personalidade da atriz: o sorriso aberto, acolhedor e estimulante. Tanto que cunha o termo zezeterapia, para dizer o quanto o riso da artista passa tranquilidade para os amigos. Todos os capítulos do livro são abertos com versos da música popular brasileira. Músicas que Zezé canta e músicas feitas para ela, como Muito Prazer, de Rita Lee e Roberto de Carvalho.

Zezé e o seu emblemático sorriso. Foto: reprodução do livro

É claro que, infelizmente, por Zezé sem quem é e como é (mulher, negra), tem casos de racismo e machismo para contar. No livro, ela fala de uma vizinha que, ao saber que ela estava no Tablado, comentou que não sabia que era preciso curso para fazer o papel de empregada. Na véspera da estreia no teatro, o noivo mandou que escolhesse entre ele e o teatro. Ela, para a nossa alegria, escolheu o teatro. Zezé estreou fazendo parte do coro da primeira montagem do espetáculo Roda Viva, em 1968. No mesmo ano, teve a primeira experiência na televisão, na novela Beto Rockfeller, da TV Tupi. No cinema, a estreia foi com Em cada coração um punhal (1969), de Sebastião de Souza. Contudo, o papel de maior notoriedade na telona foi como Xica da Silva (1976), filme de Cacá Diegues.

Frequentemente, Zezé era chamada para fazer empregadas e, no livro, traz uma posição firme sobre o assunto. “O problema não era ser empregada. O problema era entrar muda e sair calada”, p. 70. Volta e meia, o racismo aparece na narrativa. A atriz cita a novela Corpo a Corpo (1984), de Gilberto Braga, na qual fez par romântico com Marcos Paulo: “Uma nordestina dizia que mudava de canal porque não podia acreditar que um gato como o Marcos Paulo pudesse ser apaixonado por uma mulher horrorosa. Outro achava que o Marcos Paulo devia estar precisando muito de dinheiro para se humilhar a esse ponto”, p. 71.

Zezé Motta: sempre diva. Foto: reprodução do livro

A artista militante tem uma opinião contundente sobre relação amorosa entre brancos e negros, e isso fica evidente no livro. “…os radicais achavam que negro só podia namorar negro. Imagina, isso nunca entrou na minha cabeça. Namorei brancos e pretos não porque fossem brancos ou pretos, e sim porque eram pessoas interessantes”, p. 74. Em 1984, Zezé criou o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN), no intuito de dar visibilidade a atores negros. Durante quase três anos, foi Conselheira dos Direitos Humanos, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Zezé está na cena e atua em várias frentes.

Na leitura, chama a atenção o caráter ecumênico da religiosidade de Zezé. Passou por Testemunhas de Jeová, kardecismo, candomblé. Sobre o assunto, é categórica: “…nunca vou conseguir ser uma coisa só”, p. 83. Zezé teve três abortos espontâneos, não teve filhos naturais, mas tem cinco filhas do coração.

Referência de beleza, de talento e de militância. Foto: reprodução do livro

A biografia, considerando uma artista da envergadura de Zezé, é bem preguiçosa. Podia ter explorado muito mais coisas, como a parceria dela com alguns músicos brasileiros, a exemplo de Luiz Melodia. A carreira musical é abordada timidamente no livro. O lado atriz aparece um pouco mais, mas, ainda assim, é pouco. Zezé merecia muito mais.

Referência:

MURAT, Rodrigo. Zezé Motta: muito prazer. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. (Coleção Aplauso).

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