Cultura, Desde Então: análise de produtos culturais de outrora, DEZde, Jornalismo Cultural

Um dossiê da crônica

Por Raulino Júnior ||Desde Então: análise de produtos culturais de outrora||

Esta análise é para quem gosta de crônica. É o seu caso? Se sim, prossiga. Em 1992, foi publicada a quarta edição do livro A Crônica, de Jorge de Sá, pela editora Ática, integrando a interessante Série Princípios, que, como o nome denuncia, introduzia os leitores em vários assuntos importantes. Na obra, Jorge disseca o gênero e apresenta alguns cronistas que contavam histórias nos periódicos da época.

Logo no primeiro capítulo, intitulado Uma definição, o autor traz a Carta de Pero Vaz de Caminha como exemplo de primeira manifestação de crônica por aqui. “A Literatura Brasileira nasceu da crônica”, afirma na página 7. De forma muito precisa, Jorge de Sá vai definindo a crônica. Fala que o princípio básico do gênero é registrar o circunstancial (p.6), que ele é um misto de jornalismo e literatura, cita João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto), para mostrar a importância dele como cronista, e destaca a diferença entre crônica e conto: “Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato ‘exemplar’, o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional (como acontece nos contos, novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o que ele diz parece ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante de uma reportagem”. Além disso, destaca que a crônica é um “pequeno acontecimento do dia a dia, que poderia passar despercebido ou relegado à marginalidade por ser considerado insignificante. Com o seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse instante brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe confere (ou lhe devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de outros núcleos, transformando a simples situação no diálogo sobre a complexidade das nossas dores e alegrias. Somente nesse sentido crítico é que nos interessa o lado circunstancial da vida. E da literatura também”, p. 11.

No decorrer do livro, Sá fala de alguns cronistas brasileiros renomados e de suas crônicas: Rubem Braga (“a verdade da crônica é o instante”), Fernando Sabino (“busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um”; “um texto cuja característica básica é a leveza —, mas sempre com visão crítica”), Sérgio Porto – Stanislaw Ponte PretaLourenço Diaféria (“o cronista deve prestar atenção ao banal”), Paulo Mendes Campos (“Para ver além da banalidade, o cronista vê a cidade com os olhos de um bêbado ou de um poeta: vê mais do que a aparência, e descobre, por isso mesmo, as forças secretas da vida. Não se limita a descrever o objeto que tem diante de si, mas o examina, penetra-o e o recria, buscando sua essência, pois o que interessa não é o real visto em função de valores consagrados. É preciso ir mais longe, romper as conceituações, buscar exatamente aquilo que caracteriza a poesia: a imagem”), Carlos Heitor Cony (“a aparência de leveza da crônica revela, quase sempre, o acontecimento captado sob a forma de uma reflexão, mesmo quando se trata de alguma coisa afetivamente ligada só ao escritor; “A indivisível experiência pessoal serve como ponto de partida e como ponte de acesso a uma verdade maior, a um só tempo individualista e universal”; “Outro procedimento — este puramente ficcional — é transformar aquilo que nos aconteceu em fato relacionado com outras pessoas. Ao inventar um personagem, o cronista confere a marca de ficção a fatos e pessoas reais, sem esquecer que esse ato de fingir é um meio de buscar as faces da realidade”), Carlos Drummond de Andrade (“ao narrar o mundo, o cronista narra a si mesmo”), e Vinicius de Moraes (“a crônica é uma conversa fiada e o cronista um pensador do cotidiano”).

No capítulo 10, Além do consumo imediato, Jorge de Sá chama a atenção para as formas de ler uma crônica. Pode parecer simples, mas não é, porque o gênero exige muita criticidade do leitor, uma vez que está intimamente ligado a fatos do cotidiano. O autor não deixa de citar uma prática comum: a publicação de livros com reunião de crônicas que foram publicadas nos periódicos: “No momento em que a crônica passa do jornal para o livro, temos a sensação de que ela superou a transitoriedade e se tornou eterna. Entretanto todos os escritores demonstram sua perplexidade diante da inevitável passagem do tempo, corroendo os seres e as coisas. Acreditar que o cronista ganha a eternidade numa simples mudança de suporte não seria simplório demais? Essa ideia de perenidade não estaria ferindo a própria leveza da crônica, eliminando o seu ar de prosa fiada?”, p. 85.

Para quem gosta de crônica, o livro é uma boa imersão. A leitura reforça que “o enredo simples convém a essa narrativa curta” e que ela é um texto de circunstâncias. No final, a gente constata que a crônica é rainha.

Referência:

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1992.

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